ARMANDO CALDAS E OS «DIÁRIOS»
Armando Caldas iniciou-se no teatro como actor, actividade que exerceu durante longos anos, para depois se dedicar à encenação, sendo ele que coordena o grupo Intervalo, que já se chamou 1º Acto – Clube de Teatro, e que está sediado no teatro Lurdes Norberto, em Linda-a-Velha.
Conheci-o durante a «Primavera Marcelista» e, desde essa época, que, regularmente, acompanho as peças que tem levado à cena. Tive também a honra de ser convidado para participar com o meu testemunho no livro, com que a Câmara Municipal de Oeiras, homenageou este homem ligado à actividade dramática.
Porém, o que me leva hoje a evocá-lo, prende-se com o facto, de ter voltado a ler os Cadernos de Lazarote de José Saramago. Na verdade, ao ler o primeiro destes Diários, vim encontrar no dia 4 de Junho de 1993, o que o futuro Nobel da Literatura, pois só ganhará o Prémio em 1998, escreve acerca do nosso amigo comum. «Estava, posto em sossego, na Feira [do Livro], a assinar os meus livrinhos quando se me chega o Armando Caldas que, passado um bocado, começa a contar uma história. Que ele e o seu grupo de teatro – o Intervalo – participaram na organização da homenagem ao Manuel Ferreira, essa mesma para a qual, a pedido da Orlanda Amarílis, escrevi um pequeno texto. Que, como tudo custa dinheiro, e cada vez mais, pediu à Secretaria de Estado da Cultura um subsídio, cujo, milagre dos milagres, foi concedido. Mil contos, melhor que nada. Crendo ser de boa diplomacia, o Caldas lembrou-se de colocar uma cereja no bolo, isto é, pedir também ao Santana Lopes uma declaração para ser lida na homenagem, sem pensar que o dito Lopes poderia, por sua vez, lembrar-se de lhe pedir a lista das pessoas que igualmente tinham sido convidadas a escrever. Vinte e quatro horas depois de comunicados os nomes – Maria Velho da Costa, António Alçada Baptista, Urbano Tavares Rodrigues e o criado de Vocências – recebia o desolado Caldas a notícia de que o subsídio tinha sido cancelado. Causa? Não foi dita. Parece que mais tarde a Secretaria de Estado quis emendar a mão, prometendo 300 contos, mas aí o Armando Caldas encheu-se de brios e mandou-os passear. Com dinheiros arranjados aqui e ali, a homenagem não deixaria de se fazer. E agora a pergunta: o que foi que levou o Lopes a cancelar o subsídio e a não escrever a declaração? Receio de chamar ao Manuel Ferreira o escritor da Terra Nova, que também é ilha? Ou, como é mais provável, nojo de misturar-se com os declarantes, de aparecer ao lado de um deles? E qual, se é este o caso? Fátima? Não creio. Alçada? Tão pouco. Urbano? Duvido. Eu? Sendo o Lopes aquele bom católico que conhecemos, o confessor deve saber…» (José Saramago, Cadernos de Lanzarote, I, pp. 53-54)
Depois do Diário de Saramago, atente-se no que escrevi no meu modesto «Diário Irregular», ainda por publicar, em que sou dois, - guilherme revolto um velho anarquista que só usa a letra minúscula e escreve sem qualquer pontuação, e o registado José Lança-Coelho, já que não sou baptizado nem professo qualquer religião - acerca de Armando Caldas:
«monte do carrascal 16 out 98 – deixei o campo para vir ao teatro 1º acto que agora é intervalo aplaudir saramago
ouvi o urbano tavares rodrigues ler-lhe um elogio literário
seguiu-se uma comunicação do armando caldas dizendo que o homem não podia aparecer pois estava no porto na cimeira ibero-americana
fiquei-me com a peça do ibsen
guilherme revolto»
«Linda-a-Velha, 18 de Abril de 1999 – O Armando Caldas fez, mais uma vez, o favor de nos arranjar dois bilhetes para o teatro, mais especificamente para «O Carteiro de Pablo Neruda», peça soberba no que respeita ao texto e à encenação. Achei-a muito melhor que o filme, no que respeita à denúncia dos horrores do fascismo chileno, do assassinato de Allende e à ascensão do criminoso Pinochet, que, continua retido em Inglaterra.
Reencontro com Eunice Muñoz, amiga de longa data e, André Gomes (o Pablo Neruda), antigo colega do curso de Filosofia da Faculdade de Letras, que ainda se lembrava deste escriba obscuro. Dei os meus modestos parabéns a Joaquim Benite pelo engenho do cenário, simples, mas soberbo, todo feito com portas.
E assim terminou mais uma tarde de teatro proporcionada, por aquele que considero um grande amigo, o Armando Caldas.»