Quarta-feira, 31 de Janeiro de 2007
"PORTUGAL"
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal.,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
ALEXANDRE O'NEILL (LISBOA, 1924-1986)
"GRAMÁTICA DE COENTRO E CAL"
Gramática de coentro e cal
geometria do branco e do verão
solidão como sinal
quase cigarra quase pão
em seu falar como um cantar de amigo.
Aqui acaba o último e o primeiro
e o um procura o outro seu igual
para dizer um nome entre azinheira e trigo.
Este é o chão mais puro e verdadeiro.
E as sombras sentem-se comigo
à sombra de um sobreiro.
MANUEL ALEGRE, ALENTEJO E NINGUÉM, 1996, p. 12.
monte carrascal 31 jan 07
faz hoje 4uatro anos que rebentou o escândalo de pedofilia na casa pia
como o tempo passa parece que foi ontem que os orgãos de comunicação ao mesmo tempo me surpreenderam e enojaram de ter o estatuto de ser humano que em princípio
e pelos vistos só em princípio
me diferenciavam da animalidade inerente às bestas
o poder vulgo justiça continua a cozinhar uma solução que
oxalá me engane
contemple a moralidade vigente
31 DE JANEIRO DE 2007 - Acabo de ler esta frase num jornal - "As ideias novas desagradam às pessoas de idade; elas gostam de se convencer de que, depois de haverem deixado de ser novas, o mundo, em vez de se enriquecer, só se perdeu." - da autoria de Anne Louise G. Necker(1766-1817), conhecida no universo cultural e filosófico do Iluminismo oitocentista, por Madame de Stael, e penso, quantas vezes, já meditei sobre este assunto. Por um lado, parece-me que a minha época - levo 56 anos de idade - foi superior em quase tudo há que atravesso presentemente, mas, por outro, sei que ter este tipo de reflexão, duvidando da capacidade das épocas vindouras, é de um extremo reaccionarismo, sobretudo, no que respeita aos actuais avanços científicos e tecnológicos, independentemente, da conduta maléfica da Humanidade. Fico suspenso no meu raciocínio e, lado a lado, perpassam, os atrasos que representam as ignóbeis guerras feitas em nome de posições extremadas do fanatismo religioso, quando se julgava que duas guerras mundias tinham aberto os olhos à mesquinhez humana, e os avanços científicos quase quotidianos no campo da saúde, quando há uma dúzia de anos se morria com uma simples constipação por desconhecimento dos antibióticos. Então qual será a melhor época, a da minha juventude, ou a da minha maturidade? Só posso responder que, cada fase da História, isto é, da marcha da Humanidade, tem coisas boas e más, e isso, chama-se dialéctica.
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
COIMBRA, 31 DE JANEIRO DE 1966
Os limites da angústia não coincidem obrigatoriamente com os limites da liberdade. Mas há terras onde nada impede que essa harmonia se realize, e deve ser bom ter o sentimento de que assim é. Pelo que me diz respeito, parece que morro sem conhecer o gosto de uma tal experiência humana. Aqui, a liberdade tem os limites do nosso corpo, e a angústia os da nossa alma.
MIGUEL TORGA, Diário X, COIMBRA, 1995, P. 979
Terça-feira, 30 de Janeiro de 2007
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
COIMBRA, 30 DE JANEIRO DE 1991
"CORDIAL"
Não pares, coração!
Temos ainda muito que lutar.
Que seria dos montes e dos rios
Da nossa infância
Sem o amor palpitante que lhes demos
A vida inteira?
Que seria dos homens desesperados,
Desamparados
Do conforto das tuas pulsações
E da cadência surda dos meus versos?
Não pares !
Continua a bater teimosamente,
Enquanto eu,
Também cansado
Mas inconformado,
Engano a morte a namorar os dias
Neste deslumbramento,
Confiado
Em não sei que poético advento
Dum futuro inspirado.
MIGUEL TORGA, Diário XVI, COIMBRA, 1995, P.1606.
Segunda-feira, 29 de Janeiro de 2007
28 JANEIRO 2007 -Ontem, na minha amada terra, Paço de Arcos, passou-se uma coisa incrível, sem precedentes e, que mostra como os ideais do 25 de Abril de 1974 se perdem todos os dias.
Saido duma rua, postou-se na minha frente, um garoto com um papel na mão que, ao querer entregar-mo, disse peremptoriamente:
- Tome!
- O que é? - perguntei-lhe.
- É para ir votar 'NÃO'!
Atónito, por ver uma criança a fazer propaganda pelo 'NÃO', PERGUNTEI-LHE QUEM LHE dera o molho de papéis que trazia na mão.
Mais surpreendido fiquei quando ele me disse que era da catequese. Perguntei-lhe a idade e ele disse-me que tinha oito anos. Ainda não estava em mim e. por isso, perguntei-lhe, de novo, se ele sabia o que andava a distribuir e, a sua resposta foi elucidativa do que estavam a fazer àquela criança:
- É para os do 'SIM' não matarem bebés!
Eloquente resposta, e sintomática, da 'lavagem ao cérebro' que os apaniguados da Igreja Católica fizeram àquela e a todas as crianças que frequentam a catequese. Indefesas criancinhas ao serviço da ideologia do Vaticano,ao que isto chegou, depois do imortal Salgueiro Maia fazer a REVOLUÇÃO. Também com o Partido Socialista e o primeiro-ministro que temos, já nada me admira?! !
29 JANEIRO 1999 - Aproveitei este sábado soalheiro para acabar de ler, 'Nunca Permitas o Contágio' e, 'Os Poemas Possíveis', de Fernando Almeida e José Saramago, respectivamente.
CARNAXIDE, 29 DE JANEIRO 2007 - Hoje foi dia de ir aos melhores saldos do mundo. De livros, claro! Entrei na FNAC de Cascais e, maravilhei-me com o que havia para saldar. Só tenho pena que o meu dinheiro não chegue para todas as encomendas. Mesmo assim, entraram mais 6eis nas prateleiras da biblioteca cá de casa. Uma trilogia acerca do domínio português na Índia, uma biografia do filósofo-escritor judeu, Walter Benjamim, O Clube de Dante romance que tem como temática a obra-prima deste filósofo, um romance sobre D. Sebastião. Assim tenha tempo para os ler! Entretanto, vou-me deliciando com a profusão vocabular do romance 'O Último Negreiro' do meu amigo Miguel Real.
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
COIMBRA, 29 DE JANEIRO DE 1966
A gota de água doce que representa a razão individual no mar salgado da sem-razão colectiva! Com que rapidez ela se dissolve no largo oceano dissolvente! Sempre me impressionou essa incapacidade que tem o singular sensato de resistir à força da plural insensatez. Está uma tarde triste de inverno. Enquanto espero um cliente que vem de longe, vou gastando o tempo a espreitar o mundo através da vidraça. Do lado de lá do rio, num campo de jogos, andam carros numa gincana. Avançam, recuam, rodopiam, correm, estacam, e arrancam de novo. Todos os movimentos que fazem me parecem disparatados, e mais tolos ainda os aplausos que oiço de vez em quando. Simplesmente, nem o juízo que formulo invalida a realidade absurda que observo, nem a minha própria realidade ordenada resiste à sua contaminação. A olhá-la daqui, sinto-me absurdo também.
MIGUEL TORGA, Diário X, COIMBRA, 1995, pp. 978-9