Segunda-feira, 26 de Março de 2007
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
COIMBRA, 26 DE MARÇO DE 1971
SAUDADE
Não digas,
Não acenes,
Não te lembres.
Que se mantenha mudo, hirto e sem memória
O nosso adeus eterno.
E que o poeta, do seu negro inferno,
Cante como puder
A trágica aventura de encontrar
E perder, a sonhar,
O teu aberto corpo de mulher.
MIGUEL TORGA, Diário XI, COIMBRA, 1995, p. 1105.
Domingo, 25 de Março de 2007
1223 - Morre o rei D. Afonso II, terceiro rei de Portugal.
1823 - O pintor Domingos Sequeira funda o Ateneu das Belas-Artes.
1824 - D. Pedro jura a Constituição do Império do Brasil.
1886 - Os caminhos-de-ferro portugueses fazem ligação com os de Espanha pelo Norte do país.
1957 - Seis países (França, Alemanha Federal, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo) assinam em Roma o tratado que estabelece a Comunidade Económica Europeia (CEE).
1984 - O atleta Carlos Lopes vence em Nova Iorque o Campeonato Mundial de Corta-Mato.
"O uso excessivo de palavras destina-se, essencialmente, a esconder os nossos pensamentos." - VOLTAIRE, filósofo e escritor francês.
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
S. MARTINHO DE ANTA, 25 DE MARÇO DE 1961
PÂNICO
Olho, aterrado, a grande mesa posta.
Quem presumiu em mim fome tamanha?
Todo o maná sagrado da montanha
Servido lautamente
A um só conviva!
À luz do sol poente,
Numa quase agressiva
Pressa de comunhão, as penedias
São raras iguarias
Dum banquete irreal
De que eu sou comensal
Apenas eu...
Como se um pigmeu
Pudesse devorar num breve instante
A refeição eterna dum gigante!
MIGUEL TORGA, Diário IX, Coimbra, 1995, p. 875.
Sábado, 24 de Março de 2007
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
COIMBRA, 24 DE MARÇO DE 1962
AGONIA
Encho de nada
A concha
Das mãos vazias...
Que me pedias,
Que não posso dar-te,
Desespero?
Água de que nascente?
Pão de que sementeira?
Queira ou não queira
A esperança,
A hora é de secura
E de miséria
Por toda a parte...
Enganar-te?
Inventar
Miragens de frescura
E de fartura
No deserto da vida?
De que valia
Mais essa ilusão?
O cálix de amargura
Tem amargura,
Seja bebida
Ou não...
MIGUEL TORGA, Diário IX, Coimbra, 1995, p. 902.
Sexta-feira, 23 de Março de 2007
23 DE MARÇO
1842 - Morre, em Paris, o romancista Stendhal que, entre outros, escreveu o romance "Vermelho e Negro" que, era um dos livros que os pouco instruídos agentes da PIDE, levavam das rusgas que faziam às casas das pessoas, por o título 'vermelho' lhes sugerir comunismo.
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
COIMBRA, 23 DE MARÇO DE 1985
CODICILO
Acrescento
Que não fui feliz
Neste grato papel
De rouxinol humano,
Ano após ano,
Sem sossegar e medida,
A cantar
Ao luar
Na árvore da vida.
MIGUEL TORGA, Diário XIV, Coimbra, 1995, p. 1442.
Quinta-feira, 22 de Março de 2007
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA
A BORDO, 22 DE MARÇO DE 1970
DESCOBERTA
O tempo que levou a tua imagem
A encontrar nos meus olhos a medida
Dum íntimo destino,
Mar que juntas a patria repartida
E lhe salgas o nome masculino!
MIGUEL TORGA, Diário XI, Coimbra, 1995, p. 1082.
Quarta-feira, 21 de Março de 2007
"O GRANDE ESCRITOR"
* JOSÉ LANÇA-COELHO
Sob este título, escreve Mafalda Ivo Cruz uma crónica no "JL" de 14-27 Março 2007, onde fala de um passeio aos Açores e à Madeira, provavelmente no paquete 'Funchal', promovido pelo colégio das Doroteias, onde estudava, no 3º ano do Liceu que, corresponde ao actual 7º ano, e não 9º, como, erradamente, a colunista escreve, o que denota distracção, ou o afastamento da actual vida escolar.
Conta a articulista que, "ia também, por um acaso do destino. o dr. Adolfo Correia da Rocha, otorrinolaringologista de Coimbra, acompanhado pela sua mulher e filha."
Mafalda Cruz narra, então, um episódio que, envolveu a sua melhor amiga do momento, de nome Isabel, cuja mãe não permitia o uso da mini-saia e, também, o escritor Miguel Torga. Mafalda e Isabel resolveram subir a bainha da mini-saia desta última. Acabada a tarefa, deixaram a cabine onde executaram essa tarefa e subiram para onde pensavam encontrar as suas companheiras do costume. Ao entrarem, e após Mafalda Cruz perguntar se a amiga não estava gira, respondeu-lhe "um silêncio acabrunhador", a que se juntou a censura do escritor: "E olhou-nos com uma frieza irritada que nos deu imediatamente a dimensão exacta da nossa infeliz patetice e da pobreza do nosso espírito."
Um pouco depois, a cronista conta que, reparou que a filha do escritor usava "saias pelo tornozelo", para além de a descrever como " uma adolescente bonita e de cabelo apanhado, que suportava com dignidade o pesado fardo de ter de corresponder às fantasias dele, no que respeitava à imagem daquilo a que devia chamar «uma jovem mulher»."
Relativamente à saia pelo tornozelo, Mafalda Cruz não fala em datas, mas, se bem me lembro, como dizia o Nemésio, logo após Mary Quant inventar a mini-saia, surgiu a maxi-saia, que cobria as pernas das mulheres até aos sapatos. Não será que a filha do poeta vestia uma saia que estava, tal como a mini-saia, na moda? E assim, como pode a cronista pôr em causa, por um lado, a opinião do "Grande Escritor" relativamente ao conceito de mulher, ele que sempre defendeu a Liberdade em todos os seus vectores e, por outro, a dignidade da sua filha que, como sabemos, tem dado provas de grande independência ao longo da sua vida? Não é qualquer mulher que é presidente da Associação Académica de Coimbra. Aliás, que eu saiba, para além dela, não houve mais nenhuma.
Mas a crónica que vimos seguindo, tem como objectivo, e aliás, é assim que a mesma termina, salientar o facto da mutação do "grande escritor" em intelectual. Como paradigma da mesma, Mafalda Cruz aponta como exemplo a sobrevalorização de Sartre relativamente a Victor Hugo. No entanto, o que a cronista não diz, propositadamente?, é que Miguel Torga não era só um "Grande Escritor", mas também um grande intelectual, "engagé" como o foi Sartre e Zola (não se esqueça o seu "J'Accuse" a propósito do Caso Dreyfus), basta recordar a sua luta contra o fascismo, os seus livros apreendidos pela Censura, e a sua detenção no Aljube pela PIDE.
COMEMORAÇÃO DO 1º CENTENÁRIO DO NASCIMENTOI DO POETA
COIMBRA, 21 DE MARÇO DE 1953
EXEMPLO
Toda a tarde a pensar no meu destino,
E o rio, com mais água ou menos água,
Sossegado a correr
Num areal que o nega !
Que lhe importa que o chão do seu caminho
Seja seco e maninho,
Se ele é uma eterna fonte que se entrega?!
MIGUEL TORGA, Diário VI, Coimbra, 3ª ed., 1978, p. 186.