DA MEMÓRIA …JOSÉ LANÇA-COELHO
TINTIN, MEU HERÓI
Hergé, o ‘pai’ de Tintin, punha o seu filho, e o seu inseparável cão Milú, em aventuras extraordinárias, que eram complementadas com os impagáveis gémeos Dupont, as estrambólicas invenções do Professor Tournesol, que mais tarde o compararia com o meu mestre Jules Verne – ambos foram à Lua - , e, o carismático capitão Hadock, e que eram vistas, não lidas, por mim, pelo meu irmão e por todos os amigos que faziam parte do saudoso clube de futebol, lá da rua.
Andava eu pelos nove anos e os outros pelos sete. Nenhum de nós aprendera ainda a língua de Voltaire. Então, como não percebíamos uma palavra de francês, abríamos o livro mais recente do nosso herói – cada um de nós comprava o seu que depois compartilhávamos – e punhamo-nos a adivinhar o que cada um dos personagens dizia no primeiro quadradinho (só muitos anos mais tarde vim a saber que os quadradinhos na Banda Desenhada tinham o nome científico de vinheta)
A partir dos bonecos, inventávamos uma história que, na nossa imaginação, podia não coincidir com as palavras dos personagens de Hergé, mas, quando chegávamos às partes cómicas, a hilaridade que Hergé pretendia transmitir aos seus leitores, eram compartilhadas por um grupo de crianças, totalmente reduzidas à força das imagens e das expressivas onomatopeias que, não deixavam qualquer dúvida, sobre o que estava a acontecer.
O segundo irmão Dupont a repetir o que o primeiro dissera, mas precedido das palavras, “Eu diria mais”.
A impulsividade do capitão Hadock, quando estava furioso, - e não eram poucas as vezes -, ‘com os mil raios’, representados por montes de estrelas, que lhe saíam da boca, onde estava um cachimbo, cujo combustível consumido ainda não era proscrito como actualmente, pois a ciência ainda não descobrira os verdadeiros malefícios do tabaco.
Tintin e Milú, na sua simplicidade encarnada por um rapaz um pouco mais velho que nós, com quem nos identificávamos em todas as aventuras, e um cão que era igualzinho ao da Aninhas, a rapariga do prédio da frente, que já andava no Liceu – e sabia francês - e por quem todos nós estávamos apaixonados.
Mais tarde, quando descobri a poesia e, dentro desta, “os meus maiores”, mal sabia que, um deles, Miguel Torga, nascera no mesmo ano do criador do meu herói preferido na Banda Desenhada.
Na verdade, o poeta português, cujo nome é Adolfo Correia da Rocha, pseudónimo Miguel Torga, nasceu a 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho de Anta, enquanto Hergé, pseudónimo de Georges Prosper Remi, viu a luz do dia a 22 de Maio de 1907, em Bruxelas, cidade belga onde veio a falecer, a 3 de Março de 1983.
Os livros de Hergé/Tintin estão traduzidos em mais de 40 línguas.
OS LIVROS DA MINHA VIDA
( De A a C)
Alguém escreveu que, quando se chega aos 50 anos, surge o tempo de fazer balanços sobre os diversos sectores da nossa vida. Um deles é sobre o que lemos. Autores nacionais e estrangeiros, uns comprados, que ainda permanecem nas estantes da nossa biblioteca particular, outros emprestados, por amigos ou bibliotecas que se frequentam ou frequentaram.
Os livros, como os discos, são os meus objectos sagrados, ou por mim sacralizados, que me fazem recordar episódios-fragmentos da minha existência e que, têm sempre qualquer evento, de carácter afectivo ligado a eles.
Em casa, estes companheiros de todas as horas, são mais de dois mil. Depois há os outros que li por empréstimo, alguns deles tão saborosos e inesquecíveis que, mesmo depois de os ler, tive de os comprar para os ter junto a mim até à eternidade, como exemplo do que acabo de afirmar, saltam-me da memória, imediatamente, 1984 de Orwell e Admirável Mundo Novo de Huxley.
Normalmente, as listas que os jornais literários pedem aos escritores são forçosamente sintéticas, não ultrapassando a dezena de títulos, tanto entre os nacionais como os relativos aos estrangeiros. Numa primeira digressão pela minha memória, penso que as minhas listas no concernente aos dois tipos de escritores, ultrapassaria já a dezena, mas como não me quero adiantar, irei servir-me da lista que tenho inscrita na pasta Biblioteca deste mesmo computador onde escrevo presentemente. Se ultrapassar a dezena de títulos em cada uma das listas, como espero que aconteça, tentarei seleccionar - de entre estes, mais os que me emprestaram, pois tenho recensões feitas de todos estes últimos -, os dez autores mais significativos, podendo em cada um desses escritores, citar dois ou mais livros da sua autoria. Por exemplo, ainda sem ver a lista, lembro-me imediatamente, de alguns autores primordiais, de que cito os nomes e algumas obras. Começando pela prata da casa, surgem-me imediatamente na memória, Eça (todos os seus livros, em especial, A Ilustre Casa de Ramires, A Correspondência de Fradique Mendes e o conto filosófico José Matias) Torga (os 16 volumes do Diário, A Criação do Mundo, e O Senhor Ventura), Saramago (Levantado do Chão, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, e, A Morte de Ricardo Reis), Pessoa (Mensagem, O Banqueiro Anarquista, Poesia de Alberto Caeiro, Poesia de Álvaro de Campos, O Livro do Desassossego de Bernardo Soares), Álvaro Guerra (Café República, Café Central, Café 25 de Abril, Crimes Imperfeitos), Jorge de Sena (Sinais de Fogo). Só aqui já conto 34 livros!
Passando aos autores estrangeiros, vêm-me desde logo, transportados pela irreversível corrente do pensamento de William James a que associo o fragmento filosófico do pré-socrático Heraclito, “de que não nos podemos lavar duas vezes na água do mesmo rio”, os seguintes autores: Borges (O Aleph, Ficções, O Livro da Areia), Eco (O Nome da Rosa, A Misteriosa Chama da Rainha Loana), Auster ( Trilogia de Nova Iorque, Mr. Vertigo). Aqui conto 7 obras-primas!
Vejamos, então, a lista que se encontra por ordem alfabética:
A
Manuel Alegre (Alma; Rafael); Jorge Amado ( Mar Morto); António Lobo Antunes (Os Cus de Judas; Livro de Crónicas); Manuel Antunes ( Repensar Portugal; Grandes Contemporâneos; Do Espírito e do Tempo); Aragon (A Semana Santa); Aristóteles (Tratado de Política); Raymond Aron (Ensaio sobre as Liberdades); Arrabal ( Baal Babilónia); Antonin Artaud (Heliogabalo ou o Anarquista Coroado); Machado de Assis ( Don Casmurro); Marco Aurélio ( Pensamentos para mim Próprio);
B
Gaston Bachelard (A Psicanálise do Fogo); Francis Bacon (Ensaios); Gonzallo Torrente Ballester (Crónica do Rei Pasmado); Roland Barthes (O Óbvio e o Obtuso); Simone de Beauvoir ( O Existencialismo e a Sabedoria das Nações); Samuel Beckett (Textos para Nada); Saul Bellow (Ravelstein); Nicolau Berdiaeff (Cinco Meditações sobre a Existência); Henri Bergson (O Riso); Norberto Bobbio (Autobiografia); Bocage (Poesias); Boccacio (Decameron); Heinrich Boll (Contos Irónicos); Afonso Botelho (O Hábito de Morrer); Fernanda Botelho (As Contadores de Histórias); Charles Boxer ( O Império Colonial Português 1415-1825); Nuno Bragança ( A Noite e o Riso); Camilo Castelo Branco ( O Olho de Vidro; Memórias do Cárcere); Raul Brandão (Memórias); Joseph Brodsky ( Marca de Água); Giordano Bruno (O Homem de Fogo; Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos); André Bareau (Biografia de Buda); Victor Buescu (Antologia Grego-Latina, apresentação de Manuel Antunes ); Samuel Butler (Erewhon);
C
Felícia Cabrita (As Mulheres de Salazar); Erskine Caldwell (Ilha de Verão); Ítalo Calvino (O Barão Trepador); Joracy Camargo (Deus lhe Pague); Manuel Severim de Faria (A Vida de Camões); Fernando Campos (A Casa do Pó); Albert Camus (A Peste); Elias Canetti ( As Vozes de Marraquexe); Thomas Carlyle (Os Heróis) ; Mário de Sá-Carneiro ( A Confissão de Lúcio); Alexis Carrel (O Homem esse Desconhecido); Padre Apolinário Casimiro (Para a História da Revolução do Minho 1846 ou Maria da Fonte); Ernest Cassirer ( Ensaio sobre o Homem); Miguel Cervantes (D. Quixote da Mancha; Novelas Exemplares); Mário Cesariny (Jornal do Gato); Teilhard de Chardin (Biografia); Robert Charroux ( História Desconhecida dos Homens); Mário Cláudio (Trilogia da Mão); Catherine Clément ( A Senhora; A Rameira do Diabo); Jacinto do Prado Coelho (A Educação do Sentimento Poético); Trindade Coelho (In Illo Tempore); Coetzee (A Vida e o Tempo de Michael K.); Leonardo Coimbra ( Jesus; S. Francisco de Assis); Augusto Comte (A Importância da Filosofia Positivista); John Banville (Doutor Copérnico); Natália Correia (O Encoberto); Jaime Cortesão ( A Política de Sigilo nos Descobrimentos; L’Expansion dês Portugais dans l’Histoire de la Civilization); Diogo do Couto (Da Ásia – Década Nona); John Cruickshank (El Novelista Filosofo); Eva Curie (Madame Curie); Ramado Curto (O Preto no Branco; Do Diário de José Mário).
(continua no próximo número: “OS LIVROS DA MINHA VIDA – De D a F)
JOSÉ LANÇA-COELHO
A ESFINGE