Quarta-feira, 21 de Novembro de 2007

DA MEMÓRIA...

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

“ EM ÓRBITA”

 

            Em 1965, um colega de escola informou-me que, havia um programa em FM (Frequência Modulada) no Rádio Clube Português, chamado “Em Órbita”, que passava toda a música Pop, que se fazia na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América.

            Logo que cheguei a casa, fui direito ao enorme rádio da sala e procurei naquele aglomerado de teclas, de que só utilizava, uma que tinha escrito MW e a que acendia e fechava, uma que tivesse FM. Para minha surpresa, esta existia mesmo, sendo a última daquela longa fila de botões plásticos a imitar madrepérola.

            Premi a tecla que acendia a telefonia e, depois de ela ligar, carreguei a de FM e, movendo um botão redondo, sintonizei a estação que procurava. Logo que a encontrei, um maravilhoso som de ‘rock & roll’ entrou-me pelos ouvidos, extasiando-me.

            A partir deste dia, às 19h, momento em que o programa começava, estava com as orelhas coladas ao rádio, ouvindo todas as músicas que se encontravam no ‘Top’ semanal dos dois países referidos. Porém, não me interessava apenas ouvir as músicas, mas também saber os títulos delas e os grupos que as interpretavam.

            Claro que, os ‘meus’Beatles estavam quase sempre na primeira posição das duas tabelas, mas além deles, havia uma multidão de grupos, cantores individuais, masculinos e femininos, que se distribuíam por diversos tipos de música.

            Além do rock, (onde pontificavam nomes como os Stones, Cat Stevens, Beach Boys, Mamas and Papas, Moody Blues, Kinks, Small Faces, etc.) havia a música soul e os blues interpretados por brancos (Eric Clapton, Jeff Back, Yardbyrds, Eric Burton and The Animals, Janis Joplin) mas sobretudo negros (Otis Reding, Wilson Picket, Sam and Dave, James Brown, Aretha Franklin, Diana Ross and The Supreems, B.B. King, John Mayall, etc.), a música folk (Bob Dylan, Donavan), e outras mais.

            Era toda esta multidão de ídolos que, me abria o apetite para o jantar, servido religiosamente às 20h, momento em que o meu pai me mandava apagar a telefonia, para que a televisão debitasse o Telejornal, que para mim não tinha qualquer interesse, pois não havia notícias sobre música e muito poucas sobre futebol. Lá ficava eu sem ouvir a segunda hora do melhor programa da rádio portuguesa, onde adivinhava a passagem das amadas músicas que não tinham sido apresentadas na primeira.

            Tanto me lamentei e disse mal da minha existência que, o meu irmão, todo engenhocas como era, inventou uma geringonça com uns altifalantes e um fio, cuja extremidade entrava num ‘misterioso’ orifício existente na parte traseira da telefonia, que eu punha nos ouvidos e ouvia todo o programa, sem perturbar as notícias televisivas do meu pai que, andava extremamente informado, pois além, do Telejornal, comprava e lia dois jornais por dia, um matutino e um vespertino.

             O que mais irritava o meu pai eram duas coisas, primeiro, quando ele me dirigia a palavra e eu, por não o ouvir, não lhe respondia, segundo, quando me deixava entusiasmar pela canção que ouvia e a começava a trautear em voz alta à mesa.

            Quando acabava de jantar, levantava-me da mesa, sentava-me no sofá junto à telefonia, e enquanto toda a família se concentrava na televisão, ouvia até ao fim, o programa que, me ensinou a gostar da música popular anglo-americana mais do que qualquer outra, incluindo a clássica, (Os Beatles tinham até uma canção que ilustrava bem a minha opção e se chamava “Roll Over Beethoven”) e, definitivamente, me punha “Em Órbita”! Esta é, seguramente, a melhor memória que tenho de 1965.

publicado por cempalavras às 22:35
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DA MEMÓRIA...

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO VELOSO PAI, VELOSO FILHO Agora que o Veloso Filho (o Miguel), já joga na Selecção Nacional de Futebol, é tempo de fazer uma viagem na minha memória, e falar do único jogador que foi meu aluno. Conheço o Miguel desde tenra idade, ainda o Veloso Pai (o António) fazia as minhas delícias na equipa principal do Benfica e da Selecção Nacional. Jogador de raça, de mais vale quebrar que torcer, lembro-me dele como defesa direito, defesa esquerdo, e médio, e se fosse preciso jogar a avançado podíamos contar com o seu querer! Quando Veloso Pai estava no auge da carreira, a minha actividade de escritor e divulgador de Literatura Juvenil levava-me, anualmente, a visitar dezenas de estabelecimentos de ensino, públicos e particulares. Entre estes últimos, havia um por onde passava todos os anos – o Colégio Alfa-Beta, em Queijas -, talvez por ter morado três anos nesta freguesia do concelho de Oeiras, e era, precisamente nesse local que, via Veloso Filho. Conheci o Miguel com cinco seis anos, - parece que o estou a ver, pequenino, rechonchudo, com um casaco de malha azul e uns calções aos quadrados, vestuário que constituía a farda do colégio, assim o creio -, eu olhava para ele e dizia para os meus botões, “Que pena, nunca será um bom jogador de futebol como o pai, é gordinho de mais!” Os anos foram passando, o Miguel fez a Instrução Primária e começou a frequentar a Escola B2 3 Professor Noronha Feio, em Queijas, onde lecciono há catorze anos. Para minha surpresa, dou com ele numa das minhas turmas. Tinha dez anos, estava mais espigado e, jogava nas escolas de futebol do Benfica. Foi meu aluno dois anos, período de tempo em que, também, fui director da sua turma. Nos intervalos, no pátio, falávamos de futebol, do ‘nosso’ Benfica, da carreira do Veloso Pai que, estava prestes a terminar, e, também, jogávamos à bola, gosto que, só o peso dos anos, me fez cessar. Recordo o Miguel como um aluno médio em aproveitamento que, tal como eu, tinha apenas um pouco de interesse pela escola e, a quem, o empenhamento da mãe foi decisivo. Um dia, na aula, manifestou-se ruidosamente quando o não tinha de fazer. Estive quase a mostrar-lhe o cartão vermelho, mas o seu pronto pedido de desculpa, fez com que o ‘castigo’ redundasse numa promessa futura, a saber, a oferta de um bilhete para um Benfica-Sporting, quando jogasse na equipa principal do Benfica, claro! Porém, como a vida muitas vezes não é como queremos, o Miguel, como toda a gente sabe, joga na equipa do Sporting, mas por pouco tempo, pois já se fala muito na sua entrada numa equipa estrangeira, e assim o nosso acordo nunca se cumprirá. Mais engraçado ainda, é a minha actual postura a ver um jogo do clube rival, quando dou comigo a torcer pelo Miguel!, a quem desejo as maiores felicidades. Além das recordações de dois anos de aulas, ainda hoje uso um porta-chaves com o emblema do Benfica, que me foi oferecido pelo Miguel, e guardo a sua fotografia actual autografada com dedicatória, que a Teresa, a sua mãe e minha colega, fez o favor de me levar à escola. Estas manifestações de amizade são a melhor coisa que um professor guarda da sua carreira! Ao lado da foto do Miguel, está a do Rui Costa, também autografada, pois se o primeiro foi o meu único aluno futebolista, o Rui foi a minha primeira entrevista a um jogador. Na Net visite http://cempalavras.blogs.sapo.pt
publicado por cempalavras às 22:29
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Terça-feira, 13 de Novembro de 2007

2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO

 

DO 1º ACTO AO INTERVALO VÃO 38 ANOS

 

            O início da década de 70 ficou indelevelmente ligado, na História de Portugal, à denominada “Primavera Marcelista“, quando todo um Povo esperava uma abertura democrática, recusada pela mais retrógrada extrema-direita civil, escorada nas baionetas da “brigada do reumático”, constituída pela maioria das altas patentes do exército colonialista.

            A abertura do regime foi ténue e fosca, porém, em certos casos, a Censura que, após uma cirurgia plástica se transmutou em Exame Prévio, das duas uma, ou afrouxou as suas garras, ou recrutou para censores tipos mais energúmenos que os anteriores, pelo menos ao nível do teatro. Isso é um dado adquirido para quem, como eu, assistiu entre outros, a espectáculos como «A Ceia» da Comuna ou à peça que o 1º Acto levava por esta altura, e cujo título não me recordo, mas que andava à volta das (des)aventuras amorosas de um certo “conde Champalimão”.

            Depois da gloriosa Revolução do 25 de Abril de 1974, a Comuna fez uma representação da peça mostrando como a  representara para os ‘inteligentes’ censores, e só assim se percebeu que, um texto tão polémico e ‘subversivo’ como aquele, tenha passado diante das mentes tortuosas que farejavam em tudo, ataques ao regime.

            A peça do 1º Acto, lembro-me perfeitamente, misturava a hilariedade à ironia, e tomando como personagem principal uma figura conhecida da alta finança da altura, punha a ridículo algumas contradições da alta burguesia.

            Pelo já referido, percebe-se que, o texto era um ataque vigoroso à política do regime, no entanto, o grupo de teatro 1º Acto, sedeado onde hoje é o Teatro camarário Amélia Rey Colaço, tinha a coragem e a determinação para afrontar os esbirros da PIDE que por ali pululavam durante as representações, e os censores durante o ensaio a que «previamente» assistiam para darem a sua anuência à representação.

            Como espectador, sentia, lembro-me bem, que, o riso era uma das melhores formas para politizar as pessoas e, o 1º Acto desempenhava bem a sua função politico-cultural, ao mesmo tempo que, também me perguntava, como deixavam os inquisidores do lápis azul, passar no seu apertado crivo um texto daquela contundência?

            Após a instauração da Democracia e, já quando o 1º Acto se denominava Intervalo, lembro-me de assistir a um colóquio com a presença do fabuloso Eduardo Lourenço.

 Foi por esta altura que conheci o “motor” do grupo, Armando Caldas, que, rodeando-se de actores, que de amadores só têm o nome, tem encenado peças, que se tornaram verdadeiros ‘clássicos’ do grupo. Cervantes, Ibsen, Neruda, Lorca, e actualmente, Torga, são alguns dos nomes de entre uma vasta panóplia que tive o prazer de ver representados ao longo dos trinta e oito anos que o grupo agora comemora.

Um pormenor engraçado, pelo que tem de estritamente pessoal, é o facto de a única vez que pisei um palco, ter sido no Teatro Lurdes Norberto, - local da residência do grupo -, quando representei uma peça de Mia Couto, integrado numa Oficina de Teatro realizada exclusivamente para professores, pelo Centro de Formação “Formar Para Educar”, com sede na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em Carnaxide.

           

 

           

publicado por cempalavras às 23:58
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2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO

           

ARMANDO CALDAS – A PAIXÃO PELO TEATRO

 

            Um dos muitos males de Portugal é não enaltecer em vida, aqueles que, como Camões cantava, “por obras valorosas da lei da morte se vão libertando”.

            Armando Caldas é um dos carolas que, desde sempre, lutou por uma causa tão nobre como é o teatro.

            Conheci o “1º ACTO”, o grupo de teatro, de que é um dos fundadores, nos tempos cinzentos da ditadura, quando Salazar já caíra da cadeira do poder de lona e Caetano invadia os ecrãs das nossas televisões com as suas “Conversas em Família”, em que o ‘Grande Pai’ falava e todos os outros só podiam escutar, sem terem direito sequer a uma interjeição.

            O ‘1º ACTO’ era um dos locais, apesar de vigiado pela PIDE, onde através da difícil arte de representar, se denunciava a opressão do Estado Novo e do capitalismo a ele subjacente.

            Embora correndo perigo de prisão política, - a pior forma de encarceramento -, não só pelo cerceamento da liberdade de expressão, mas também pelas horríveis torturas a que a polícia política submetia os que corajosamente afrontavam o regime, Armando Caldas não se eximia a encenar e, também, a representar, os autores proibidos pelo índex fascista, como ainda a montar peças que, de um modo subtil e irónico, gozavam algumas das figuras pardas do Regime.

            Após a data charneira da Democracia portuguesa, – o 25 de Abril de 1974 -, o “1º ACTO” passou por diversas vicissitudes que viriam a culminar no nascimento do “INTERVALO”, sempre com Armando Caldas na encenação, mas também na orientação e, sobretudo,  no contínuo insuflar de vida ao grupo de teatro.

            Tenho assistido a diversas ‘Semanas Culturais’ em que o ‘INTERVALO’ tem homenageado inúmeras personalidades dos vários campos culturais.

            Foi no espaço do “INTERVALO” que, estive pela primeira vez com o grande pensador da cultura portuguesa, Eduardo Lourenço.

Há duas semanas, presenciei a justa e merecida homenagem que Armando Caldas fez, primeiro, a Miguel Torga no ano do centenário do seu nascimento, e depois, a Igrejas Caeiro, banido por Salazar, por ter afirmado que, Neruh (o político que mandou invadir os territórios que Portugal detinha na Índia) era o estadista que mais admirava.

            A todos os homenageados, Armando Caldas oferece uma peça de escultura que é uma máscara, simbolizando esse universo maravilhoso de sonhos e ilusões que é o TEATRO.

            Foi nesta última homenagem que surgiu em mim o seguinte pensamento:

            “Está no momento de o homenageador passar a homenageado”.

            E aqui deixo a sugestão. Por que é que o próprio “INTERVALO” não faz a merecida homenagem a Armando Caldas, pelo que ele tem feito ao longo da sua vida pelo Teatro?

            « É a hora!», como disse Fernando Pessoa, outro dos muitos injustiçados da cultura portuguesa.

           

           

           

publicado por cempalavras às 23:49
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2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO

 

RODRIGUES DA SILVA E O ‘DIÁRIO POPULAR’

 

            No ‘JL’ – quinzenário cultural de que não dispenso um número - de 24 de Outubro de 2007, na sua coluna “par ou ímpar”, Rodrigues da Silva evoca o ‘velho’ chefe de redacção Abel, do Diário Popular, facto que me fez recordar a minha passagem por aquele vespertino.

            Estávamos em 1972, e depois de frequentar o 2º ano do curso de Jornalismo, fiz um estágio de um mês no Diário Popular. É possível que tenha sido contemporâneo de Rodrigues da Silva, embora não me lembre dele, agora do chefe de redacção Abel, tenho, talvez, a primeira memória de como a vida é dura.

            A redacção do jornal abria às 8 horas e, no meu primeiro dia, eu lá estava a essa hora. Entrei por aquela enorme sala, povoada de secretárias, máquinas de escrever e jornalistas. O chefe Abel mandou-me esperar, e ali fiquei plantado, no meio de toda aquela gente que me ignorava, durante uma boa meia hora. Os meus colegas de curso diziam que havia uma animosidade contra nós, por parte dos jornalistas mais velhos que, apesar de terem muita experiência profissional, possuíam menos habilitações literárias.

            A verdade é que o chefe Abel, depois de fazer o seu papel de líder, veio junto de mim e disse-me que, iria pôr-me a atender os telefones da redacção, para onde telefonavam os correspondentes que o jornal tinha nos vários locais do país. Era uma mesa grande com três telefones pretos, onde estava um rapaz da minha idade que, fazia aquela tarefa e que dava pelo nome de João Alves da Costa. O seu pai, vim mais tarde a saber, também trabalhava naquela redacção, na secção do desporto, e chamava-se Aurélio Márcio.

            Ali fiquei a atender os telefones durante dias, respondendo a perguntas sem nexo de pessoas que, telefonavam para o jornal, pretendendo saber coisas como, qual a capital do país x?, quem ganhara o jogo y?, ou quem cantava a música z?, e a receber notícias oriundas dos mais diversos locais, do fulano que assaltou uma ourivesaria, de beltrano que roubou a mala de uma velhinha, e do sicrano que foi vítima do conto do vigário.

Eu que sonhava com peças de investigação, sobretudo culturais, de Literatura, História, etc., pois acabara de entrar no curso de Filosofia, na Faculdade de Letras, ali estava a fazer de telefonista, com a ajuda do Alves da Costa, que se revelou um bom companheiro e auxiliar.

Junto à mesa dos telefones, numa secretária individual, ali estava o grande repórter, também escritor, Baptista-Bastos, que muitas vezes me disse, entre outras coisas, que eu era muito parecido com um outro jornalista, de quem não me lembro.

Um pouco mais à frente, noutra secretária, outro conceituado escritor e jornalista chamado Jacinto Baptista.

Atrás, lá continuei eu, durante um mês a atender telefones, naquele estágio de má memória, que o Rodrigues da Silva me fez recordar com a sua coluna no ‘JL’.

P.S. – A 24 de Dezembro, estive ao lado do Rodrigues da Silva, na “Aloma” em Campo de Ourique. Ambos comprávamos bolos para a ceia de Natal. Reconheci-o  pela sua foto que, vem no ‘JL’, sempre que se torna director interino, quando José Carlos de Vasconcelos se ausenta.

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Quinta-feira, 1 de Novembro de 2007

HUMOR PEDAGOGICO-DIDACTICO

No teste de História, escrevi a seguinte questão:

Explica a frase: "O rei detinha o monopólio do comércio do Oriente."

Um aluno respondeu do seguinte modo:

"O rei tinha um jogo do monopólio, e como os outros não tinham, ele ganhava sempre!"

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2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO

 

PESSA, DURÃO E OUTROS

 

            Em 1970, foi criado em Portugal o primeiro curso universitário de Jornalismo, na Escola Superior de Meios de Comunicação Social. Depois de frequentar o 2º ano, nas férias do Verão, foi-me oferecido um estágio na redacção do Telejornal, na RTP.

            O chefe de redacção era o Horácio Caio, e depois havia, o António Esteves, o Fernando Midões que, também, fazia crítica de teatro no extinto ‘Diário Popular’, e outros mais redactores, que a memória já apagou.

            Estes três jornalistas eram muito agradáveis, porém, não eram conhecidos do grande público, como o ‘imortal’ Fernando Pessa, que ficou na memória de muitas pessoas, com a frase “E esta, ahn?!”, com que encerrava as suas reportagens, e o há pouco desaparecido, Raul Durão.

            Eu tinha vinte e um anos, entrava na redacção por volta das 8 h, com a odiosa gravata que me aconselharam a pôr, eram-me dados os telegramas oriundos das agências noticiosas, e começava a «cozinhá-los», como se dizia na gíria, para lhes dar a forma de notícias, que eram lidas pelo ‘pivot’ de serviço no Telejornal das 13 h.

            Desses ‘pivots’ recordo, o José Corte-Real e o Raul Durão. Estes, chegavam à redacção por volta do meio-dia, pediam-me as notícias já «cozinhadas» e liam-nas atentamente, antes de as transmitirem para o país. Havia sempre uns nomes em inglês ou francês que, era necessário soletrar bem, antes de os ler para o grande público. Isto era profissionalismo.

            Agora que o Raul Durão nos deixou, dei comigo a pensar na idade que ele teria, quando nos conhecemos, pois dessa altura, a imagem que me chega à memória, é a de um jovem que falava com um senhor. O Raul faleceu com 65 anos e eu tenho actualmente 57, portanto, existia entre nós uma diferença de oito anos que, agora, não é nada, mas naquela altura, marcava bem a diferença entre um aprendiz da vida de 21 anos, e um ‘estabelecido’ de 29 anos, quase um trintão.

            Certo dia, descia eu a íngreme rampa da RTP, que desembocava na Alameda das Linhas de torres, de máquina de escrever portátil na mão, quando me cruzo com o Fernando Pessa, e ele, numa das suas inesperadas tiradas, me atira sarcasticamente, “Então, vai aí com a sua esferográfica!”.

            Se o Pessa soubesse que, quando comecei a dar aulas, a meio dos anos 70 do século passado, muitos dos meus alunos o identificavam com o Fernando Pessoa!

            A cultura geral não era coisa que abundava na Escola daquele tempo, tal como na actual e, a diferença entre um nome e outro era apenas uma vogal. Sabiam lá os meus alunos que, o multifacetado poeta Fernando Pessoa morrera em 1935, e o Fernando Pessa estava ali para as curvas, a fazer reportagens extravagantes, como aquela em que se atirou à água, em pleno Inverno.

            Como posso querer que os alunos tenham cultura geral se, ainda hoje, depois duma aula de História, em que falei exaustivamente do terramoto de 1755, virei-me para um aluno e perguntei-lhe, «Que sucedeu no dia 1 de Novembro de 1755?». O rapazinho pensou, pensou, tornou a pensar, e depois respondeu-me, descontraidamente, como se me dissesse a coisa mais natural do mundo: «Houve pão por Deus!»

publicado por cempalavras às 00:09
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