Sábado, 8 de Dezembro de 2007

2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA …. JOSÉ LANÇA-COELHO

 

EU  E  AS  INVASÕES  FRANCESAS

            Há uma expressão bem portuguesa e utilizada quotidianamente que diz, “Se a minha avó não existisse …”, significando que, se um acontecimento não tivesse ocorrido, as coisas teriam corrido de outro modo.

            Na memória que vou abordar hoje, o parágrafo anterior justifica-se plenamente.

            Era ainda criança e já ouvia contar esta história aos meus pais. Agora, que se comemora o 2º Centenário das Invasões Francesas, é urgente que a reconte.

            Uma das três vezes que Napoleão Bonaparte mandou invadir Portugal, entre 1807 e 1811, pelos seus generais de confiança, Junot, Soult e Massena, um grupo de soldados franceses passou pelo Alentejo profundo.

            A terra, ao certo, nunca a soube, mas não anda longe de Beja ou Serpa.

            Como era habitual nas suas surtidas, a soldadesca francesa entrava numa terra, irrompia por uma casa, roubava tudo o que apanhava à mão, violava satisfazendo os seus apetites mais animalescos, e, matava barbaramente tudo o que lhe aparecia à frente da ponta do punhal.

            Ora, numa dessas digressões guerreiras que, têm caracterizado a marcha da Humanidade até aos nossos dias, um grupo de soldados franceses, derrubou a porta do pequeno monte alentejano e entrou com a morte nos olhos.

            A única pessoa adulta que estava em casa, coseu-se com a sombra do forno do pão e, susteve a respiração. Da escuridão, os seus olhos, seguiam os movimentos dos três assaltantes.

            Os franceses abriram a arca do pão, tirando tudo o que lá estava. Depois, acercaram-se da chaminé e, retirando as linguiças que aí estavam penduradas, meteram-   -nas dentro dos sacos esfarrapados que traziam às costas.

            De súbito, um choro atraiu as suas atenções. O som vinha do pequeno quarto que estava separado da cozinha por um magro – como tudo naquela casa – e rude tabique de madeira.

            Enquanto os homens se precipitaram para lá, o coração de quem os seguia do escuro quase estourava de angústia, enquanto os ouvidos ficavam à cata de todos os sons.

            No pequeno quartinho, com soalho de terra batida, estava uma alcofa forrada de panos quentes, que servia de leito a uma bebé de meses.

            Um dos soldados acercou-se da menina e, como o fizeram tantas vezes, de punhal em riste, preparava-se para lhe dar o golpe fatal, quando a mão dum companheiro o deteve, dizendo-lhe:

            - Espera! Não a mates! Olha como os seus olhos são bonitos, tão azuis como o céu lá de fora!

            O homem contemplou a beleza dos olhos da bebé, que, entretanto, começava a chorar e, suspendeu o seu movimento assassino. Nada mais havendo para saquear à pobreza da casa, o grupo partiu, ao mesmo tempo que, o vulto que se escondera na sombra do forno acariciava a criança, salva da morte.

            O que tem esta história a ver comigo?, poderá perguntar-se. É que a bebé, era a minha tetravó paterna! Como disse no início deste escrito, “Se a minha avó não tivesse nascido …”, melhor, se os invasores franceses tivessem assassinado a minha tetravó, eu não teria escrito esta história verdadeira!

publicado por cempalavras às 00:23
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2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO

DIREITO DE EXPRESSÃO, SEMPRE!

            No séc. IV a.C., Sócrates, o filósofo ateniense, foi condenado à morte, entre outras coisas, pelos políticos da época, por defender a existência de um Deus, contra a profusão de deuses existentes na Polis.

            Milhares de cristãos executados pelos Romanos, por acreditarem na mensagem de Jesus Cristo.

            Séculos mais tarde, o astrónomo Copérnico, foi condenado à fogueira pelo Tribunal da Santa Inquisição, por defender que a Terra girava em volta do Sol, precisamente o contrário do que defendia a Igreja Católica.

            A lista seria longa se continuássemos a enumerá-la: Giordano Bruno, Garcia da Orta, etc, etc. Todos eles condenados à morte por defenderem o seu direito a expressarem aquilo em que acreditavam.

            Em pleno séc. XXI, quando se afirma que, vivemos numa aldeia global, com uma tecnologia de ponta, onde os computadores fazem tudo e, os telemóveis nos proporcionam falar de quase todos os lugares, poderíamos ser levados a pensar que, estes processos de fanatismo teriam acabado, mas, infelizmente, embora a técnica e a ciência avancem, o Homem continua o mesmo, nos mais diversos lugares da Terra.

            No final do século passado, - o XX, pois claro! -, o mundo foi surpreendido pela condenação à morte de um escritor inglês de origem indiana,  de nome Salmond Rushdie, que ousou escrever uma ficção sobre o profeta Maomé, intitulada Versículos Satânicos e que, por isso, foi condenado pelo chefe religioso do Irão, o ahiatola Komeney.

            Também em Portugal, onde, infelizmente, reinou, quase sempre, uma feroz Censura, há meia dúzia de anos houve uma cadeia de supermercados que se deu ao luxo de censurar e proibir, o livro A Casa dos Budas Ditosos, do autor brasileiro João Ubaldo Ribeiro, por achar que a referida obra estava carregada de erotismo que poderia ofender a sensibilidade do povo português.

            Para quem leu o livro como eu, decerto se apercebeu que o censurado ‘erotismo’, se encontra em inúmeros livros que andam por aí aos pontapés nos supermercados, com censores autorizados e, credenciados, com licenciatura tirada por correspondência em conceituadas universidades independentes.

            O último acto de censura que conheço, ocorreu também no Irão, em Novembro passado, onde, apesar de Khomeney já ter morrido, o fanatismo religioso continua. Desta vez, o ‘sacrificado’ foi o livro Memória das Minhas Putas Tristes, do Prémio Nobel colombiano, Gabriel Garcia Marquez, obra já publicada entre nós e que, podemos encontrar em qualquer supermercado ‘autorizado’, que, desta vez, parecem ter sido todos, pois a crise económica ultrapassa todos os moralismos hipócritas.

            No Irão, o livro teve uma tiragem de 5 mil livros que, se esgotaram rapidamente, pois o seu título foi adulterado e modificado para Memórias das Minhas Apaixonadas Melancólicas. Apesar desta total falta de ética, de mudar o nome de uma obra de matriz intelectual, o livro foi proibido pelos sectores mais retrógrados, e custou o emprego ao funcionário responsável pela edição.

            Claro que, lá como cá, o peixe graúdo nunca engole o anzol, e assim, o ministro da Cultura não sofreu qualquer beliscadura, limitando-se a referir a respeito do caso que, se tratou de um “erro burocrático”(sic).

            Apesar de séculos de luta, o direito à liberdade de expressão continua ignorado pelo Poder, seja ele religioso ou laico.

publicado por cempalavras às 00:17
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2007 - ANO MIGUEL TORGA

DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO

 

O 1º CENTENÁRIO DO ‘DERBY’ LISBOETA

 

            Faz no dia 1 de Dezembro de 2007, cem anos que se disputou o primeiro ‘derby’ lisboeta em futebol, entre Benfica e Sporting.

            Este evento fez-me regredir na minha memória e, viajar até à adolescência, tempo em que, tal facto, era das coisas mais importantes da minha vida.

 Comecei a seguir o Benfica-Sporting por volta de 1959, ano em que o Benfica foi Campeão da Europa pela primeira vez.

 Porém, só me lembro de ir ao velho Estádio da Luz, com catorze, quinze anos – começara o tempo de Eusébio e seus pares que, em 1966, classificou Portugal em terceiro lugar no Campeonato do Mundo, em Londres.

 O Benfica emprestava nessa altura seis jogadores, mais de meia equipa, à Selecção Nacional, isto é, do meio campo para a frente, a saber Coluna, Jaime Graça, José Augusto, Eusébio, Torres e Simões. A defesa tinha três jogadores do Sporting – José Carlos, Alexandre Baptista e Hilário -, e um do Porto – Festas. O guarda-redes começou por ser o Carvalho do Sporting, mas por se lesionar, foi substituído, com grande êxito, por José Pereira do Belenenses.

Na minha adolescência, passada em Paço de Arcos, havia entre os jovens benfiquistas desta localidade à beira-mar, um ‘pacto de honra’ que não se podia quebrar, e que consistia no seguinte: quando o ‘derby’ se realizava no Estádio da Luz, todos íamos apoiar o Glorioso, pelo contrário, quando o jogo ocorria no Estádio de Alvalade, nenhum de nós ia, com o único objectivo de não darmos sequer um tostão de receita ao nosso rival.

Por esta altura, no que dizia respeito ao futebol sénior, o Benfica liderava em tudo, até nas receitas, sendo o Estádio da Luz, o recinto desportivo que mais dinheiro fazia durante o campeonato.

Comecei a ir à Luz com um tio que me dava boleia de carro, mas não se julgue que ele me pagava o bilhete. Muito longe disso. Ele ia para a bancada central, o lugar mais caro, e eu, tirava cinquenta escudos do meu mealheiro, o equivalente a vinte cinco cêntimos actualmente !, e lá ia para a geral, local do estádio atrás das balizas.

 Anos depois, passei a ir com os meus amigos, só que a viagem durava um pouco mais, comboio de Paço de Arcos a Algés, e de aqui ao Estádio da Luz no autocarro nº50, o mesmo transporte que, anos depois, me levaria à Faculdade de Letras, durante o lustro que durou o meu curso de Filosofia.

Também me habituei mal, pois não me lembro, durante mais de uma dezena de anos, de na Luz, o Sporting ter ganho o ‘derby’ que agora faz cem anos, e assim, em cada quatro anos, os “vermelhos” (este era o vocábulo que os jornalistas usavam, para ludibriar a feroz censura, durante a ditadura do Estado Novo, por tudo o que era dessa cor estar proibidíssimo) ganhavam três campeonatos, perdendo o quarto para o Sporting.

 

publicado por cempalavras às 00:05
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