Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2008

POEMA - JOSÉ LANÇA-COELHO

 

A PRIMEIRA DESILUSÃO
 
Logo que soube que ias à festa,
Passei a noite no desatino do ata, desata.
Apesar de jeitoso não me safei,
Sem pedir ajuda para o nó da gravata.
 
Com a lâmina rapei a pouca barba,
Penteei a trunfa, vesti o domingueiro fato.
E já que por ti pusera a odiada coleira,
Cuspindo, engraxei o bicudo sapato.
 
Os rapazes levavam altas bebidas,
As meninas comida para os tolos.
Ao meu pai surripiei uma garrafa de whisky,
Para te impressionar comprei uma dúzia de bolos.
 
Logo que tocou o primeiro slow,
Fui-te buscar para dançar.
Sentir todo o teu corpo no meu,
Foi tão bom que não deu para acreditar.
 
Disseste ires ao WC no fim do salão,
De mão dada com outro te vi a sair.
Tornaste-te na minha primeira desilusão,
E fizeste-me embebedar até cair.
 
Os rapazes levavam altas bebidas,
As meninas comidas para tolos.
Ao meu pai surripiei uma garrafa de wihsky,
Para te impressionar comprei uma dúzia de bolos.
 
 
publicado por cempalavras às 22:00
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POEMA - JOSÉ LANÇA-COELHO

 

CANÇÃO DO FIM ANUNCIADO
 
Já que sou cadáver adiado,
Com morte de cancro ou coração,
Porque não tenho um ano feriado,
Para passear enlaçado na tua mão?
 
Sobre a areia da praia renovada pelo mar,
Ou pelo recôndito da montanha a fugir
Os teus doces lábios quero beijar,
Com o teu corpo me desejo fundir.
 
Não sei se lhe chame destino,
Ou livre-arbítrio imaculado.
Só sei que desde o nascimento
Tenho o meu fim anunciado.
 
Ser humano e gostar de viver,
É como uma grande fatalidade.
Porque se sabe que sem o ver
Cai sobre nós o limite da idade.
 
Esta canção fatal que parece fado,
tocada em ritmo de rock & roll.
Dá-me ganas para ser cantado,
Como um glorioso hino ao sol.
Não sei se lhe chame destino,
Ou livre-arbítrio imaculado.
Só sei que desde o nascimento,
Tenho o meu fim anunciado.
 
publicado por cempalavras às 21:57
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Sábado, 27 de Dezembro de 2008

POEMA - MIGUEL TORGA

 

HISTÓRIA ANTIGA
 
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Um cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
 
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei,
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
 
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu,
Daquelas mãos de sangue um pequenino
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
 
            In ‘Diário I’
publicado por cempalavras às 22:28
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POEMA - JOSÉ LANÇA-COELHO

 

I DON’T BELIEVE…
 
            To John Lennon
 
I don’t believe in socialism,
I don’t believe in comunism,
I don’t believe in fascism,
I don’t believe in political regimens,
I don’t believe in Staline and Mao,
I don’t believe in Hitler and Franco,
I don’t believe in Salazar and Mussolini,
I just believe that I don’t believe in men.
publicado por cempalavras às 22:19
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Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2008

POESIAS - ANTÓNIO GEDEÃO

 

POEMA DO CORAÇÃO
 
Eu queria que o Amor estivesse realmente no
                                                                   [ coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no
                                                                  [ coração.
Então poderia dizer-vos:
“Meus amados irmãos,
falo-vos do coração”,
ou então:
“com o coração nas mãos.”
 
 
Mas o meu coração é como o dos compêndios.
Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois
                                                              [ ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.
 
Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios
                                                                  [ apertados,
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz dos olhos em bisel cortados.
 
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e que ateia os incêndios, é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.
 
Então, meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?
 
            In Linhas de Força (1967)
 
 
POEMA DA NOITE PLÁCIDA
 
 
A multidão em fúria
passeia placidamente nas ruas da cidade,
de mente plácida,
plácida mente,
enquanto os homens que orientam placidamente
a multidão em fúria
que placidamente passeia nas ruas da cidade.,
procuram furiosamente
as soluções plácidas
que orientarão a multidão em fúria
que, placidamente, passeia nas ruas da cidade,
de mente plácida,
plácida mente,
e os sábios buscam furiosamente
as fórmulas plácidas
que, placidamente,
resolverão as dificuldades da multidão em fúria
que passeia nas ruas da cidade
de mente plácida
plácida mente,
e todos, todos em suma,
placidamente,
procuram furiosamente,
de todas as formas plácidas,
atender às inquietações e aos anseios plácidos
da multidão em fúria
que, placidamente, passeia nas ruas da cidade,
e placidamente se assenta nos plácidos bancos das
                                                                    [ avenidas,
bebendo o ar plácido da noite,
e esperando, placidamente,
as soluções plácidas
para os seus anseios e inquietações furiosas.
 
            In Linhas de Força (1967)
publicado por cempalavras às 21:47
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Terça-feira, 23 de Dezembro de 2008

POESIAS - MIGUEL TORGA

 

RECOMEÇAR
 
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
 
UM POEMA
 
Não tenhas medo, ouve:
É um poema.
Um misto de oração e de feitiço…
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz…
 
      In ‘Diário XIII’
 
 
BRINQUEDO
 
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel
Um cordel
E um menino de bibe.
 
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.
 
 
Mas tão alto subiu
Que deixou de ter estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
 
+++++++
 
Passa um rei – é o Poeta.
Não pela força de mandar
Mas pela graça mágica e secreta
De imaginar.
 
          In ‘Nihil Sibi’
publicado por cempalavras às 22:04
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Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2008

POESIA - ANTÓNIO GEDEÃO

 

DIA DE NATAL
 
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
 
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhe darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
 
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
 
 
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu!
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
 
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
 
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
 
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
 
Ah!!!!!!!!!
 
 
 
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
 
Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
 
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
 
 
Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
 
        In Poemas Completos
 
 
IMPRESSÃO DIGITAL
 
Os meus olhos são uns olhos,
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.
 
Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem lutos e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.
 
Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
 
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.
 
            In Movimento Perpétuo (1956)
publicado por cempalavras às 22:50
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Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2008

POESIA - ALDA DO ESPÍRITO SANTO (S. TOMÉ)

 

 
ALDA DO ESPIRITO SANTO
 
Lá no «Água Grande»
 
Lá no «Água Grande» a caminho da roça
negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
 
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
 
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta,
brincam na água felizes…
Velam no capim um negrito pequenino.
 
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam miúdos lá na hora do regresso…
Jazem quedos no regresso para a roça.
 
                         (Poesia negra de expressão portuguesa, 1953)
 
 
Fevereiro
 
Silêncio na rua, silêncio nas almas
Um minuto de silêncio angustiado
Repicar de sinos na aurora dos tempos
Um silêncio reverente
Para a página do futuro.
 
                             (É nosso o solo sagrado da terra, 1978)
publicado por cempalavras às 23:33
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Quarta-feira, 17 de Dezembro de 2008

POESIA - JORGE DE LIMA

 

 
Devolve-me teu hálito, defunta
companheira tombada nos joelhos
do Senhor, companheira de mãos juntas
e enfaixadas os ombros e os artelhos.
 
Um arcanjo augural teus lábios unta
de bem-ungidos bálsamos vermelhos,
mas não falas, não choras, não perguntas,
não te miras nas fontes, nos espelhos.
 
Presença angelical, formosa esquiva,
fonte da eterna vida, origem e causa,
rosa que desfolhada se reaviva.
 
Nestes ermos, sem ti, ó rosa airosa
é-me consolo te chamar sem pausa:
ó lâmpada marinha, ó culta rosa.
publicado por cempalavras às 22:54
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POSIA - CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

 

COMO ENCARAR A MORTE
 
De longe
 
Quatro bem-te-vis levam nos bicos
 o batel de ouro e lápisz-lazúli
 e pousando-o sobre uma acácia
 cantam o canto costumeiro.
 
 O barco lá fica banhado
 de brisa aveludada, açúcar,
 e os bem-te-vis, já esquecidos
 de regressar, dormem no espaço.
 
A meia distância
 
Claridade infusa na sombra,
 treva implícita na claridade?
 Quem ousa dizer o que viu
 se não viu a não ser em sonho?
 
 Mas insones tornamos a vê-lo
 e um vago arrepio vara
 a mais íntima pele do homem.
 A superfície jaz tranquila.
 
De lado
 
Sente-se já, não a figura,
 passos na areia, pés incertos,
 avançando e deixando ver
 um certo código de sandálias.
 
Salvo rosto ou contorno explícito,
 como saber que nos procura
 o viajante sem identidade?
 Algum ponto em nós se recusa.
 
De dentro
 
Agora não se esconde mais.
 Apresenta-se de corpo inteiro,
 se merece nome de corpo
 o gás de um estado indefinível.
 
 Seu interior mostra-se aberto.
 Promete riquezas, prémios,
 mas eis que falta curiosidade
 e todo ferrão de desejo.
 
Sem vista
 
Singular sentir não sentindo
 ou sentimento não expresso
 de nós mesmos, vaso coberto
 de resina e lótus e sons.
 
 Nem viajar nem estar quedo
 em lugar algum do mundo, só
 o não saber que afinal se sabe
 e, mais sabido, mais se ignora.
publicado por cempalavras às 22:50
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