Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2009

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
1970 – LIVROS RTP, UMA NOVA COLECÇÃO
 
            A 6 de Novembro de 1970 houve em Portugal um fenómeno cultural, que me deu imediatamente a perceber, que a minha semanada iria sofrer um rombo contínuo.
            Se, por esta altura, com vinte anos, já frequentava vários alfarrabistas de Lisboa e tinha comprado muitos livros com o meu dinheiro – imensos exemplares de Júlio Verne, os menos conhecidos de Eça de Queirós, os heterónimos mais usuais de Fernando Pessoa, as Ficções e o Aleph de Jorge Luís Borges, alguns de poesia e teatro, entre outros – a colecção RTP/Verbo com livros a 15$00, veio-me mostrar que inúmeras semanas grande parte do meu dinheiro iria para aí.
            Os dois primeiros volumes da colecção foram Maria Moisés de Camilo Castelo Branco e 100 Obras Primas da Pintura Portuguesa, e eram vendidos por 15$00 os dois. Na biblioteca cá de casa haviam vários livros do autor de S. Miguel de Seide, mas este título ainda não existia, por isso peguei numa nota de 20$00, dirigi-me à papelaria mais perto de casa e comprei os dois livros.
            Esta colecção era composta por cem títulos, sendo anunciada na RTP, antes do Telejornal das 20 horas, por diversas figuras da cultura portuguesa. Havia também entrevistas de rua, algumas caricatas que mostravam o grau de cultura do povo do nosso país. Lembro-me de ouvir esta. Depois do jornalista da RTP perguntar a um transeunte, se ele conhecia Camilo Castelo Branco, ele respondeu do seguinte modo: “Sim, conheço muito bem. Camilo Alves, branco e tinto, embora prefira vinho Colares!”
            A RTP/Verbo distribuiu os livros por quase todo o país e, como neste ano, estavam apenas registadas em Portugal seiscentas livrarias, eles começaram a ser vendidos em todos os quiosques, tabacarias e, imagine-se!, em drogarias e talhos. Ora, esta cadeia de distribuição, aliada à publicidade, conseguiu vender na primeira manhã, cinquenta mil exemplares, obrigando a fazer imediatamente uma segunda edição, vendendo-se 230 mil exemplares dos dois primeiros exemplares.
            A colecção RTP juntava romances de autores portugueses e estrangeiros consagrados, Garrett, Agustina, Padre António Vieira, Machado de Assis, Balzac, Dostoievsky, Lawrence Durrell, Goethe, com livros culturais e de informação, como Problemas da Infância e Adolescência, O Advogado em Casa, e, o popular livro, O Médico em Casa, do doutor Ramiro da Fonseca que tinha um programa na televisão.
            Apesar de se viver a Primavera Marcelista, onde a Censura foi transformada em Exame Prévio, e em que a liberdade de informação continuava a ser uma miragem, todos os jornais nacionais se referiram de um modo positivo a este evento. Por exemplo, ‘O Século’ escreve: “trata-se de um empreendimento inédito no panorama de edição português”.
            Comprei todos os títulos da colecção que ainda não existiam na biblioteca cá de casa. Os cem livros que constituíam a colecção RTP venderam 15 milhões de exemplares.
            O centésimo livro foram Os Lusíadas de Luís de Camões e saiu em Outubro de 1972, isto é, dois anos depois.
publicado por cempalavras às 22:48
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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
1969 – NO FUNERAL DE ALVES REDOL
 
            A 29 de Novembro de 1969 faleceu um dos grandes nomes do neo-realismo português, o escritor Alves Redol.
            Posso dizer que, desde que comecei a ler, conhecia este nome, pois havia um livro na biblioteca cá de casa, cuja capa, por ser diferente das habituais, me atraía – ao contrário das capas de papel ou cartonadas, este tinha uma capa em relevo, às cores e parecia feito de um tecido turco. Na alta lombada podia ler-se Gaibéus, Maréus e Avieiros. Tratava-se de uma trilogia de Alves Redol, onde se reuniam três livros da grande obra do escritor de Vila Franca de Xira.
            Redol iniciou a sua actividade literária no jornal Vida Ribatejana. Vindo para Lisboa começou a frequentar os círculos literários próximos do PCP que, seguiam o romance brasileiro de intenção social – daí que os seus Avieiros estejam muito próximos do livro Cacau de Jorge Amado -, os escritores rebeldes norte-americanos John Steinbeck e Erskine Caldwell, e, o realismo soviético de um Máximo Gorki.
            O acompanhamento da brutal Guerra Civil de Espanha com todos os seus dramas levou Redol a colaborar em revistas de esquerda como O Diabo. Será o director desta revista, o conceituado professor Rodrigues Lapa, que aconselhará Redol, em 1938, a escrever o seu primeiro livro, Glória – Uma Aldeia do Ribatejo, que se pode considerar um ensaio etnográfico.
            Em 1939, surge o primeiro romance de Redol, o já citado Gaibéus, que despertava a minha curiosidade infantil, e que marcará o apogeu do neo-realismo na literatura portuguesa, onde a personagem principal deixava de ser um indivíduo e passava a ser um grupo de trabalhadores rurais, constituído pelos “ratinhos” que, na época da ceifa dos cereais, deixavam a sua Beira e vinham trabalhar nos grandes latifúndios do Ribatejo e do Alentejo.
            Após este romance de intenção marcadamente social seguem-se outros do mesmo teor como, Avieiros (1942), Horizonte Cerrado, Vindima de Sangue, todos eles escritos entre os anos 40 e 50, época em que surgem as primeiras cisões no movimento neo-realista, nomeadamente ao nível da poesia.
            Em 1953, saíram dois livros, Uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira, e, A Sibila de Agustina Bessa-Luis, que vêm dar uma pedrada no charco. Assim, o primeiro, dá mais importância à forma e aos símbolos dos temas, embora ainda comprometido com o neo-realismo, enquanto o segundo, rompe com todas as linhas de força do movimento literário que vimos focando.
            Redol responde a este desvio com A Barca dos Sete Lemes (1958), onde introduz temas existencialistas, como a morte e a culpa, Barranco de Cegos (1962), que sobrevaloriza como personagem principal a classe dominante, e, O Muro Branco (1966), onde a linha narrativa se serve do modernismo consubstanciado com o diário intimista.
            Pelo que até aqui foi escrito, percebe-se que Alves Redol era um dos muitos antifascistas a quem a ditadura perseguia. Aliás, foi isso que constatei, quando, na companhia do meu avô, fui ao seu funeral.
            Na verdade, fomos a Vila Franca de Xira, no último dia de Novembro de 1969, pois sabíamos que o funeral do escritor, seria uma jornada de luta contra o regime salazarista. Quando chegámos à estação de caminho-de-ferro, vimos polícias, GNR com cães e agentes da PIDE à paisana, por todo o lado, que nos escoltaram durante o cortejo fúnebre. Mesmo assim, milhares de vozes não se inibiram de gritar: “Abaixo a Pide; Abaixo o Fascismo; Amnistia; Liberdade!”.
publicado por cempalavras às 22:43
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Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2009

PROVÉRBIO DO DIA

Quem em Maio relva não tem pão nem erva

publicado por cempalavras às 22:07
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POESIA - HENRIQUE ABRANCHES

 

ODE URBANA
 
Hoje não vou ter contigo, minha querida,
ainda que a meiguice me domine
e exerça em mim uma força magnética
que apaga as tuas palavras fúteis
e te reduz a um afago sublime.
Não vou ter contigo no Musseque Prenda.
Não quero ouvir falar de Lenine
nem da formidável Revolução Soviética
que aprendeste nos livros,
minha querida.
Nem da bravura singular de Hoji ya Henda,
a quem nunca deste um beijo de ternura
apesar da ternura que há na tua vida.
Nem no Quatro de Fevereiro estilizado
e conservado dentro de uma urna
- fogo de brasas que não arde,
porque nunca foi espevitado.
 
Vou por aí,
sob o Sol da tarde.
Vou andar sem ti, pela extensa avenida
perscrutando o rosto soturno
daqueles que mal olham por seu turno
como se o drama deles fosse a minha vida.
Vou estar em toda a parte, de muitas maneiras,
em busca do teu modo impertinente
de me refazer com graça infantil.
Vou andar à sorte das caras prazenteiras
que cruzarão comigo demoradamente,
com a alegria das crianças no recreio.
Vou piscar o olho a toda a gente
e fazer um convite à quitandeira.
que me vender o repolho mais subtil,
que me lembre a calote do teu seio.
Vou recordar a Maria da Fonte
sobre o pedestal – enorme e mamalhuda –
com a beleza magnífica e felpuda
da grande migália do Brasil.
- A sua imensa mão calcária,
que empunhava uma espada da Dâmocles
como um falo de bronze antigo,
jaz agora partida e solitária
num canto do quintal do meu amigo.
 
Hoje não vou ter contigo,
minha querida do Musseque Prenda.
E todavia,
vou procurar-te com arte em toda a parte,
na alegria dum rosto aventureiro
entre os rostos que vão rua fora.
Vou pensar em ti, na doçura de mel
das ondas do teu corpo marinheiro,
sem escutar o teu frasear de menina,
junto aos ângulos da muralha esmagadora
da velha Fortaleza de S. Miguel.
 
Vou recuperar-te, terna e franzina
nas velhas paredes, ou em cada esquina
caprichosamente envelhecida
do Palácio de Don’Ana Joaquina.
Vou entrar lá dentro, mudo e quieto.
Andarei pelo salão que dorme,
onde as paredes são um livro aberto.
Andarei pelo pátio, que a verdura cobre
dum vestido selvático e informe,
onde gemeram escravos de destino incerto,
onde germinaram amores de poeta.
Vou procurar a sacada nobre
onde eu seja Romeu e tu Julieta.
 
E ao cair da noite proletária
sobre as ruas agora desertas,
procurar-te-ei no voo dos insectos
que rodopiam em dança funerária
nas luzes sombrias da Avenida Deolinda.
Talvez te encontre de asas abertas,
ventre chamuscado, cheirando ainda
teus voluptuosos perfumes de Ambaka
que o meu ter-te sempre eterniza.
 
Voltarei à cidade baixa e quente
com sabor de Kisaka e odores de muamba,
em busca da cilada traiçoeira,
da facada cruel e precisa,
que seja diferente
das tuas vagas carícias de brisa.
Andarei pelas ruas da Mutamba
olhando sobranceiramente
- com a segurança de sua santidade –
mulheres que se dizem retornadas
dum passado de que foram sonegadas.
Na penumbra que escamoteia a verdade,
camuflando um perigoso companheiro,
elas aguardam os homens de dinheiro
escrevendo o dia-a-dia na cidade.
 
E tudo isso eu farei por ti, amor,
à procura do teu sabor na vida.
E todavia,
se ao longo dessa busca não te vir florida
neste caminho de sangue e de alegria,
se te souber esquecida no Musseque Prenda.
 
Não venhas ter comigo, minha querida!
Não venhas ofender a noite est6upenda
de violência, de dor, de sórdidos amores,
sob um lampadário… à porta duma venda
algures
na Rua dos Mercadores…
publicado por cempalavras às 22:04
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Terça-feira, 13 de Janeiro de 2009

PROVÉRBIO DO DIA

 

(O) prazer vai a cavalo e leva pena à garupa.
publicado por cempalavras às 23:16
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...

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
“A FORÇA DO DESTINO” E DA COXINHA DO TIDE
 
            Lembro-me de ir à loja de fazendas da minha avó materna e, por cima da sua máquina de costura, onde fazia os arranjos necessários às peças de vestuário das clientes, haver um calendário feito por ela, a lápis, com os nomes dos folhetins, as horas e os postos que os emitiam.
            Este fenómeno começara em 1955, com a emissão de um folhetim na Rádio Graça e Rádio Clube Português, que tinha por título “A Força do Destino”, mas que ficou popularmente conhecido pelo folhetim da “coxinha” ou do Tide.
            O folhetim era de origem sul-americana posteriormente adaptado à realidade portuguesa, por haver falta de escritores nacionais que se dedicassem a este estilo. A linha da narrativa passava pela história simples de Margarida, uma jovem “coxinha” que andava de muletas, amorosa e triste, apaixonada pelo médico Humberto Figueirola, casado com uma mulher má, de nome Raquel e prima de Margarida. No final, após inúmeras peripécias, Raquel morre e Margarida casa com o médico, de quem tem uma filha, contribuindo assim para a reabilitação de todas as “coxinhas” do país.
            As reacções dos ouvintes no país dos brancos costumes foi surpreendente, desde a abordagem dos actores na rua, a cartas e telefonemas para a estação, ou até mesmo a deslocações à porta da emissora, para, por um lado, tentar saber pormenores sobre a continuação da história e, por outro, auxiliar a coxinha, atacar a vilã da Raquel, e aconselhar o doutor Figueirola.
            Pormenor curioso era também o de Lily Santos, a actriz que interpretava o papel da coxinha, ter de caminhar com desenvoltura, quando surpreendida na rua pelos ouvintes, uma vez que estes últimos acreditavam religiosamente que, a “Margarida” tinha mesmo problemas de locomoção. A histeria atingiu tal dimensão, que o cortejo do casamento real, realizado em Lisboa, entre a citada actriz e o sonoplasta do folhetim, Octávio Frias, técnico da Rádio Graça, foi invadido por uma multidão que pretendia arrancar bocados ao vestido de Lily para o guardar como recordação, entalando com gravidade o mestre-de-cerimónias na porta da viatura nupcial.
            Relativamente à vilã Raquel, interpretada por Lurdes Santos, foi uma vez auxiliada a escapar de um estabelecimento onde fazia compras, surpreendida por um grupo de mulheres que queriam fazer justiça por suas mãos. Quando aconteceu a sua morte ao nível do folhetim, centenas de ouvintes telefonaram para a Rádio Graça, para se inteirarem do horário e do local onde decorreria o funeral, havendo mesmo até, quem encomendasse um carro funerário que se dirigiu para as instalações da rádio.
            Quanto ao médico, interpretado pelo galã Ricardo Isidro, para além de receber centenas de cartas, chegou a ser intimado para se apresentar na Policia Judiciária, acusado de seduzir uma rapariga que estava noiva. Após o actor negar o facto, concluiu-        -se que quem apresentara a queixa, fora o noivo repudiado, por a namorada lhe confessar que se deixara apaixonar pelo doutor Humberto Figueirola.
            O patrocinador deste evento, - que mostrou como a ordem e os bons costumes que a ditadura pretendia preservar num país onde nada podia acontecer, poderia ser alterada por um simples folhetim -, foi o detergente “Tide” para lavar a roupa, que oferecia prémios a quem coleccionasse um certo número de tampas. Aliás, se não me falha a memória, o referido “Tide” foi o primeiro detergente em pó a aparecer em Portugal, para fazer frente ao usual sabão azul e branco.
            A minha avó não entrou na euforia que acabo de descrever, mas a verdade é que seguia com muita atenção, todos os pormenores relativos a este e a outros folhetins radiofónicos, tanto mais que, sendo uma assídua espectadora de teatro, se interessava por folhetins baseados nas obras imortais de Eça, Garrett, Herculano, Camilo, etc.
publicado por cempalavras às 23:12
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Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2009

PROVÉRBIO DO DIA

 

Quem não tem boi nem vaca toda a noite ara.
publicado por cempalavras às 23:49
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KONTO COM KAPA, MAS SEM MEDO

 

QUE FAZER PARA DEIXAR DE SER PORTUGUÊS?
 
            Esta é uma interrogação que me ponho tantas vezes quantos os desvarios que os ‘media’ me revelam a todo o tempo ou que constato quotidianamente
            uma manhã qualquer saio de casa respiro o ar poluído sobre o qual até ver ainda nenhum venerável político se lembrou de nos obrigar a pagar imposto dirijo-me ao carro para involuntariamente ir trabalhar com a finalidade de suster as minhas necessidades económicas e começo a descontar para o Poder explorador
            entro no automóvel cujo preço de custo mais de metade se destina ao imposto que o Estado lança sobre o ‘luxo’ de ter este banal meio de locomoção própria e que eu pago em prestações com juros elevados ao banco ganancioso
            ainda não dei à ignição para incendiar a gasolina cujo preço inclui um elevado imposto para o Estado
            e já estou a olhar para os selos do imposto automóvel um que o Estado chulo lança todos os anos para se poder circular nas estradas esburacadas e plenas de armadilhas mortais que o mesmo Estado ‘Robin dos Bosques ao contrário’ rouba aos pobres para dar aos ricos não conserva nem indemniza quem nelas cai outro que a autarquia me obriga a pagar com o nome de taxa social para me deixar estacionar em frente à casa que vou pagando a prestações
            meto-me em bichas desmedidas onde circulam a passo de caracol outros iguais a mim no meio de engarrafamentos provocados pela escassez de vias de comunicação apesar do pagamento de portagem para as utilizar e cuja grande parte do valor é entregue como não podia deixar de ser ao Estado do meu descontentamento
            antes de estacionar e cujo espaço ocupado pelo meu transporte vou ter de pagar ao Estado esmifrador atravessei um rio sobre uma ponte mais do que amortizada há não sei quantos anos mas cuja portagem o Estado vampiro não só insiste que eu continue a pagar indefinidamente como também aumenta o seu valor de acordo com a inflação prevista que nunca é como se imagina mas pelo contrário é sempre mais elevada do que os cálculos feitos pelas doutas cabeças que nos (des)governam roubam e exploram
            finalmente cheguei ao trabalho cujo execrável ordenado não revelo a ninguém não com o fito de fugir a mais impostos pois não o posso dizer porque sou empregado do miserável Estado sanguessuga mas para que não façam chacota com o ridículo do meu $alário
            ainda bem que nunca te habituaste a beber café e a fumar pois os preços destes devaneios são aumentados todos os anos também acima da vesga inflação prevista diz a minha mulher enquanto folheia um jornal que também aumentou desmesuradamente e que eu por ter a terrível e fatal mania de ler me atrevo a comprar nos chamados dias de festa para além da revista pouco interessante que compro mensalmente para ajudar os sem abrigo a terem uma vida com preocupações e impostos como a que levo
            como bom cidadão passo o dia na minha repartição a pôr em dia o trabalho que me é destinado pelo chefe que me avalia de acordo com regulamentos traiçoeiros impostos sem escrúpulos e como saio às 16 horas faço das tripas almoço e não como nada até essa hora porque a vida está cara e o aumento do subsídio de almoço foi de apenas 12 cêntimos o que me deixa 38 cêntimos atrás da minha empregada vulgo mulher-a-dias que como aritmeticamente já se percebeu teve um aumento de 50 cêntimos
            logo que entro no carro para regressar a casa satisfaço-me com duas carcaças com manteiga que a minha mulher me arranjou de véspera até porque o pão o alimento já não dos pobres mas sim dos remediados teve um aumento de 30% o que em metal sonante é muito superior aos 12 cêntimos que acharam por bem aumentar-me de onde se pode concluir mesmo sem ser economista que nem sequer tive um aumento de fome mas que a minha vontade e necessidade de comer aumentou mais do que os meios que passei a auferir para a satisfazer
            fiquei de passar no infantário para ir buscar o mais velho mas tenho de me apressar a fazê-lo pois é raro o dia que não apanho uma multa por mau estacionamento uma vez que a autarquia o Estado sangrador ou seja lá quem for que deixou construir aqui este estabelecimento de ensino não pensou antecipadamente que não existiam locais para parar a viatura e como silos ou parques de estacionamento é coisa que o Poder não faz então ao mais pequeno descuido estamos sujeitos a que nos autuem e nos reboquem o carro se nos demorarmos demais o que agrava a coima a pagar ao Estado extorquidor
            a miúda vai a minha mulher buscá-la a casa da avó que feitas as contas ao pormenor e mesmo contando com o excessivo aumento do passe dos transportes públicos ainda é o que podemos suportar melhor
            dou um pulo ao supermercado para comprar qualquer coisa para o jantar e não para constatar o irremediável aumento de todos os produtos essenciais facto pelo qual vai para dois anos os mesmos em que não tive aumentos dignos me tornei vegetariano abdicando de qualquer tipo de peixe e de carne porém com o aumento de miséria que tive foi-me necessário abdicar dos produtos biológicos pelo que fiquei entregue não à bicharada como é como é usual dizer mas pelo contrário aos pesticidas cancerígenos utilizados para a dizimar que ao mesmo tempo nos exterminam silenciosamente num hospital sem as mínimas condições de dignidade e de humanidade apesar da chusma de impostos que pago ao dono desse estabelecimento insalubre de saúde que é o Estado gatuno
            finalmente chego à minha casa posso afirmá-lo com propriedade e como propriedade embora a esteja a pagar a juros de ouro ao banco sugador
            tive que comprar este andar com mais uma assoalhada para fazer um quarto para a miúda o que me tem custado os olhos da cara e por isso a permilagem do pagamento do condomínio aumentou significativamente tornando-se em mais uma elevada prestação a que tenho de chegar à qual junto a contribuição autárquica e o imposto de conservação de esgotos e chego à triste conclusão que apesar de ter casa própria tenho uma renda mensal que é semelhante à que pagaria se vivesse numa casa alugada mas que tem o Estado todo poderoso que ver com isso quem quer bolota que trepe desde quando é que uma habitação condigna é preocupação fundamental do Poder apesar de isso estar consignado na Constituição a teoria nunca teve nada que ver com a prática
            dou banho de imersão aos miúdos o de chuveiro acabou-se desde o último aumento da água e do gás enquanto a minha mulher cozinha o possível para eles
            eu e ela já estamos habituados a comer pouco à noite a frugalidade só nos faz é bem mantém-nos  magros embora o melhor termo reconheço-o seja escanzelados livra-nos do colesterol e sobretudo de constões quando fazemos amor obrigando-nos a apagar a luz e a poupar a electricidade que subiu tão estupidamente
            por outro lado a inacção a que já me habituei deu-me uma maravilhosa possibilidade de sonhar que conscientemente não sei se o faço acordado se a dormir o que sei é que o sonho é sempre o mesmo
            pergunto-me o que fazer para fugir a esta fatalidade de ter nascido em Portugal e não encontro solução
            quando vivia em ditadura bastava pedir asilo político a uma das centenárias democracias europeias para desfrutar de liberdade de pensamento e de condições económicas
            depois da frustrada revolução do 25 de abril nos seus ideais mais profundos e antes da queda do muro de berlim ainda se tornava possível pedir asilo político a um dos países do bloco que se auto-proclamava socialista embora as condições de liberdade de que iria desfrutar não fossem tão amplas como as da primeira hipótese
            mas agora que tudo é comunidade europeia e estados unidos da América o que me resta
            cuba e o último estertor do pensamento único não obrigado senhor fidel fique-se lá com os havanos e com as suas ideias de ideais foscos ou o fanatismo religioso do mundo árabe regressão histórica à barbárie inquisitorial já superada pelos meus genes ocidentais
            continuar a assistir à podridão e aos desmandos dos políticos de duas visões
            vesgos para me obrigarem a pagar a peso de ouro extorquindo-me até ao derradeiro cêntimo uma crise económica mundial de que eu sou o elo mais fraco
            de olhão quando se trata de contemplar as suas chorudas autobenesses e negociatas sem escrúpulos com o fito de enriquecerem desmesurada e instantaneamente atropelando tudo e todos até mesmo as repressivas leis que legislam para mim
            já não acredito em nada nem em ninguém daí que tenha suspendido o voto a derradeira arma que me restava não a entregando a nenhum partido político qualquer que ele seja e o que defende pois os homens são tão vulgar e mesquinhamente iguais
            a única coisa que ainda me prende a este país é a sua literatura e alguns dos seus autores
            e continuo a interrogar-me
            que fazer para deixar de ser português?
 
                                                                                      JOSÉ LANÇA-COELHO
publicado por cempalavras às 23:41
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Domingo, 11 de Janeiro de 2009

PROVÉRBIO DO DIA

 

Queijo é bom dado pelo avaro.
publicado por cempalavras às 23:55
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POESIA - GLÓRIA SANT'ANA

 

ILHA DE MOÇAMBIQUE
 
A treze de Outubro
do meio do mar
uma nova terra
redonda e suave
 
surgida da funda
densa claridade
ali está pousada
na onda que há-de
 
puxar nosso barco
a areia tão clara.
 
É uma ilha toda
com fecho de prata
- sua fortaleza
muito bem lavrada
 
em pálidas pedras
que se transportaram.
 
E palmares e casas
ao pé de outros bairros
descidos na terra
que se amolda e talha
 
para gente negra
tão esbelta e tão grave.
 
(As mulheres compõem
por sobre a paisagem
um estranho contorno
de tonalidade).
 
E tudo parece
estar há muito exacto
para este momento
que vamos marcar
nas ramadas firmes
nas nuvens mais altas
no tempo que fica
por onde passámos.
publicado por cempalavras às 23:52
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