Terça-feira, 16 de Junho de 2009
DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
1759-2009: 250 ANOS DA ELEVAÇÃO DE OEIRAS A VILA
A 6 de Junho de 1759 D. José I concedia a Sebastião José de Carvalho e Melo o título de 1º conde de Oeiras. Tal mercê elevava o lugar de Oeiras a vila, ao mesmo tempo que incluía o senhorio de Pombal com a nomeação das justiças e ofícios, e a comenda das Três Minas, da Ordem de Cristo, no arcebispado de Braga.
A ligação de Oeiras com a família de Pombal iniciou-se na segunda metade do século XVII, mais propriamente, de 9 de Setembro de 1676, data em que Sebastião José de Carvalho comprou ao casal Lourenço de Anvers, uma parcela de terras que haviam sido pertença do capitão Luís Pimenta de Morais. Já na centúria seguinte, a 23 de Agosto de 1714, o filho deste Sebastião José, o doutor Paulo de Carvalho e Ataíde, comprou parte da quinta ao casal Sebastião Correia de Miranda / Mariana Pacheca, aumentando assim o património oeirense da família Carvalho.
Foi o tio Arcipreste que instituiu o morgado com a quinta de Oeiras. Assim, após a morte deste, em 1737, o património passou para a posse de Sebastião José e os irmãos Francisco Xavier e Paulo António.
Depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755, Pombal admitiu decisivamente a possibilidade de instalar-se na sua casa de Oeiras, ideia que manifestou ao monarca, o que terá levado D. José I, por um lado, a nobilitar o seu Ministro e, por outro, a elevar de importância o lugar da sua residência.
A 13 de Julho de 1759, o lugar de Oeiras foi promovido a vila, e, a 25 de Setembro de 1760, no paço de Nossa Senhora da Ajuda, era emitido o foral de Oeiras, a pedido do seu 1º conde, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal.
Baseando-se nos usos e costumes de Sintra e Cascais, por serem as duas vilas mais próximas de Oeiras, D. José I determinou que os impostos referentes a Oeiras, se pagassem neste lugar.
Além disto, o concelho de Oeiras passava a ter os seguintes limites: a nascente, desde a parte da Cruz Quebrada pelo rio acima até à ponte do Jamor; e pelo lado norte, atingia o limite do casal da Veiga, já pertencente à zona de Barcarena. A poente chegava à praia do forte do Areeiro, que corresponde hoje à freguesia de Nossa Senhora da Purificação, e a sul o rio Tejo.
A posse do senhorio de Oeiras implicava os direitos sobre o pescado fresco e salgado de Paço de Arcos, que até este momento eram pertença da Casa de Bragança. Em 1797, os Bragança adquiriram de novo esta benesse, passando a família Pombal a receber os direitos de Cascais e a dízima do pescado de Peniche
O 1º Marquês de Pombal teve como preocupação aumentar o seu património, como se pode constatar pelos seguintes exemplos. Em 1760, a Mesa do Desembargo passou provisão ao Marquês de Louriçal, como pai da marquesa de Cascais, para subrogar ao 1º conde o reguengo “a par de Oeiras”, de que a dita marquesa era donatária. Recebia, em troca, uma propriedade que Carvalho e Melo tinha nos Olivais. Sebastião José adquiriu outros terrenos, quase todos em regime compensatório.
Os adversários do Marquês de Pombal, após o seu declínio político, acusaram-no de se ter servido de dinheiros públicos para adquirir o seu património, nomeadamente a quinta de Oeiras, insinuação que Sebastião José sempre negou., afirmando que esta havia sido adquirida pelos seus irmãos Francisco Xavier e D. Paulo de Carvalho e Mendonça, com o objectivo de ser unida ao morgado do tio Arcipreste.
Sobre a quinta a ocidente do rio, em cujo anexo mandara fazer as oficinas e a horta ajardinada, o Marquês de Pombal afirmava que esta fora subrogada aos Viscondes de Barbacena, por um padrão comprado com dinheiro do dote de D. Teresa de Noronha, sua primeira mulher, que também deixara os seus bens à família Carvalho e Melo, ao mesmo tempo que as melhorias aí levadas a efeito, se fizeram com o dinheiro pertencente ao morgado que o tio Paulo instituira, pelo que recebera como filho primogénito e com o acordo dos irmãos a sucessão plena do vinculo.
Curioso é o facto de, no fim da sua vida, o rei D. José I se acolher na quinta de Oeiras, de onde se deslocava às termas existentes no Estoril. Com o objectivo de distrair o rei, o 1º conde de Oeiras organizou, nesta vila, uma feira, que foi a primeira de carácter industrial, que se realizou na Europa.
Na referida feira vendiam-se única e exclusivamente produtos fabricados nos pólos industriais patrocinados pelo Estado.
Por seu turno, os visitantes adquiriam tecidos, sedas, chapéus, vidros e pentes.
Este comércio tinha como objectivo mostrar que o país poderia viver dos seus recursos sem recorrer a produtos vindos do estrangeiro, o que ao longo de muitos séculos contribuiu para uma desenfreada saída de divisas que não eram investidas em Portugal.
Em 2009, quando se perfazem 250 anos da subida de Oeiras a vila, o concelho continua a respirar saúde e a inovar, o que deve encher de orgulho todos os oeirenses.
DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
OS MEUS AMIGOS ESCRITORES
1 – ANTÓNIO BARAHONA
Depois de ter escrito sobre o meu amigo Miguel Real, lembrei-me de todos os meus colegas que têm o estatuto de escritor, uns mais conhecidos, outros menos conhecidos (como eu) do grande público, e assim decidi escrever as minhas memórias acerca deles.
Se me esquecer de algum, ele que me perdoe, pois se o omito é apenas porque a minha memória já não é o que era.
Assim, da minha geração da Faculdade de Letras, recordo-me da: Luísa Costa Gomes, Filomena Oliveira, do João Barreiros, Manuel Joaquim Gandra, André Gomes, João Seabra Botelho.
Desde que ganhei a paixão pelos livros, treze, catorze anos, que uma das minhas ambições era conhecer um escritor em carne e osso, e com ele trocar impressões, falar das leituras. Só com vinte e dois anos realizei esse sonho, quando conheci pessoalmente o poeta António Barahona. Mal sabia eu que, todos os nomes que citei atrás, eram escritores em formação e que conviviam quotidianamente comigo, pois todos eles eram meus colegas no curso de Filosofia da Faculdade de Letras. Tirando a Luísa Costa Gomes que estava um ano à frente, todos os outros eram meus colegas de ano, porém, a Luísa era minha vizinha de prédio, morava no andar por baixo do meu, em Paço de Arcos.
Começarei então por escrever sobre o primeiro escritor que conheci pessoalmente.
Em 1972, andava eu no 1º ano do curso de Filosofia da Faculdade de Letras de Lisboa, quando passava muitas tardes no “Pavilhão Jardim”, nome do café sito no jardim de Paço de Arcos, a estudar os textos dos filósofos gregos pré-socráticos.
Um dos frequentadores daquele café era um homem de aspecto um pouco estranho, com o cabelo rapado e barba comprida. Vestia quase sempre uma túnica imaculadamente alva e carregava inúmeros livros debaixo do braço.
Quando passava junto à sua mesa, olhava para lá, como quem não quer a coisa, e via folhas de caderno escritas a caneta de tinta permanente preta, numa linguagem completamente desconhecida para mim.
Apenas sabia que o homem era poeta, embora nunca tivesse lido nada escrito por ele. Uma tarde, para minha surpresa, reparei que sentado à sua mesa, estava o Marcial, um colega de curso que habitava em Oeiras.
Pus o ouvido à escuta e percebi que falavam de Heraclito de Éfeso, um dos filósofos gregos do século IV a. C. O enigmático poeta discorria sobre o pensador, como se fosse um professor da faculdade, mostrando como estava seguro acerca do conhecimento do seu sistema e da sua biografia.
Era a altura ideal para entrar na conversa e foi o que fiz. A partir deste momento, o poeta começou a falar comigo. Deslumbrei-me com a sua cultura geral, pois tanto falava dos filósofos que eu estudava na faculdade, como dos escritores que eu lia nas horas vagas, e ainda, de personalidades dos diversos campos do conhecimento humano de que eu nunca ouvira falar.
Numa das tardes de café, que a partir desse dia começámos a cultivar, o poeta confessou-me que, a partir dos quinze anos, faltava às aulas do liceu para frequentar a Biblioteca Nacional, lendo apenas o que lhe interessava, daí a sua fabulosa cultura geral.
Mais tarde, descobri que aquelas folhas enigmáticas, cheias de uma escrita desconhecida traçada a tinta preta de caneta permanente, não era mais nem menos do que árabe. Também essa língua ele dominava!, para além do latim e do grego.
A partir de certo momento, começou a oferecer-me os seus livros de poesia, com uma dedicatória escrita em árabe, que depois me traduzia e que dizia assim – “Deus é Grande, Bom e Misericordioso”. Ficámos amigos para sempre.
António Barahona assim se chama o poeta, este homem bom, que foi o primeiro escritor que conheci.
DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
COMO CONHECI O MEU AMIGO, E ESCRITOR, MIGUEL REAL
Após o 25 de Abril de 1974, facto histórico que me apanhou no 2º ano da Universidade, houve uma profunda reestruturação do curso de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa – na minha opinião, a reforma do curso não foi tão profunda quanto devia ser, pois apesar dos saneamentos, houve muitos professores sebenteiros, pró-regime deposto, e reaccionários, que tiveram artes de réptil que, conseguindo ziguezaguear e dando o dito por não afirmado, conseguiram manter a sua “vidinha”, como dizia Alexandre O’Neill (1924-1986).
A verdade é que o ano lectivo seguinte, 1974/75, começou em Março de 1975, com uma vasta gama de “cadeiras”, que os alunos podiam escolher de acordo com os seus diversos critérios. A minha selecção recaiu em todos os professores que conhecera nos dois anos anteriores e que aliavam a um profundo saber, uma grande humanidade e disponibilidade para com os alunos.
Entre esses Mestres (designo-os assim, apesar de na altura não haver a figura académica do Mestrado) destacava-se um jesuíta, que fora levado para a Faculdade pela mão do professor e escritor Vitorino Nemésio (1901-1978) e cujo nome é Manuel Antunes (1918-1985). Eu, nascido numa família republicana, democrática, laica e anticlerical, deixara-me fascinar pelo magistério pedagógico-didáctico desta sumidade, - a que nenhum catedrático queria fazer exame para que ele ocupasse semelhante estatuto académico, uma vez que sabia que a sua eloquência e saber eram fora do vulgar -, quando fora meu professor no primeiro ano do curso na “cadeira” de História da Cultura Clássica.
Por tal motivo, no 3º ano, escolhi um seminário intitulado “Platão” que era dado pelo padre Manuel Antunes. Como se percebe pelo que atrás ficou dito, havia uma mistura de alunos de vários anos, pois estou em crer que não havia na Faculdade um aluno que não apreciasse a eloquência e a humildade deste verdadeiro poço de cultura. Eloquência e humildade, palavras que actualmente nos parecem tão antagónicas nesta crise de valores culturais em que vivemos, mas que só os grandes Homens sabem aliar.
O seminário era dado numa sala de aula vulgar, teria talvez trinta e tal alunos que assistiam às sábias palavras do Mestre, numa primeira fase, e que, posteriormente, apresentavam trabalhos com toda a liberdade sobre as diferentes e variadíssimas temáticas que o título “Platão” pode encerrar.
Ainda eu não apresentara o meu trabalho, assistindo já à apresentação de muitas comunicações de vários colegas, quando uma bela tarde, fui surpreendido pela novidade da temática apresentada por um colega que eu sabia ser do curso um ano ou dois atrás do meu. Um rapaz, um pouco mais baixo e mais novo do que eu, de cabelo encaracolado, acho que ainda não usava óculos por essa altura, com um discurso bem estruturado em termos lógicos e sabendo o que queria e o que dizia.
A novidade era esta: uma análise marxista da problemática da escravatura na Grécia do século IV a.C., e em especial, na sociedade contemporânea de Platão. Devo confessar que tudo aquilo me fascinou por diversos motivos: 1º - porque nunca vira abordada semelhante problemática naqueles termos; 2º - porque nunca tive nenhuma tendência para a economia e por isso mesmo nunca me sentira atraído pela leitura do Capital de Karl Marx (1818-1883) que neste momento histórico português se lia como uma Bíblia; 3º - porque a reacção do Professor, foi da mais pura simpatia, ao mesmo tempo que, mostrava que conhecia a fundo esta obra amaldiçoada pelo salazarismo e pela Igreja Católica.
O padre Manuel Antunes mostrava a grandiosidade da sua Pedagogia, não só ao corroborar certas ideias defendidas pelo meu colega, como também, ao mostrar que as conhecia. Como sempre houve uma discussão do trabalho, entre o apresentador, o Professor e toda a turma e, no final da aula, dirigi-me ao meu colega para lhe dar os parabéns e, também, para nos conhecermos melhor.
O rapaz chamava-se Luís Martins, ficámos amigos e nunca mais esqueci aquela lúcida exposição que não se ficava pela Filosofia, mas enveredava por outras ciências sociais, nomeadamente, a História, a Economia e a Sociologia.
Creio que no ano seguinte, ainda fomos colegas num seminário sobre “Aristóteles”, também orientado pelo padre Manuel Antunes, porém, com o 5º ano e o fim do curso, ambos começámos a dar aulas e, como é natural nestas coisas da vida, cada um seguiu o seu caminho e estivemos muitos anos sem nos encontrarmos.
Como sempre, continuei a frequentar as livrarias e a estar atento a tudo o que saía de livros. Um dia, numa dessas digressões culturais, encontrei o João Francisco, um outro colega, este do meu curso, que já não via há anos. Entre as coisas que, fatalmente, se falam, quando se encontra um colega, é das pessoas que connosco viveram e partilharam tantos anos de magistério. O que é feito de fulano?, Nunca mais vi beltrana? E sicrano, sabes dele? Então não é que o João me pergunta, se eu dera pela saída de um livro que fazia uma análise sobre a obra do Nobel português, intitulado Narração, Maravilhoso, Trágico e Sagrado em Memorial do Convento, de José Saramago Sim, trata-se de um ensaio. Mas porquê?, indaguei. Foi aí que o João Francisco desvendou este mistério: - È que foi escrito por um tal Miguel Real, que é o pseudónimo do nosso amigo e colega, Luís Martins.