Domingo, 31 de Janeiro de 2010

FERNANDO NAMORA

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
FERNANDO NAMORA
 
 
         A 31 de Janeiro de 1989, faleceu o escritor e médico, Fernando Namora, nascido em Condeixa-a-Nova, a 15 de Abril de 1919.
         Após licenciar-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, começou a exercer, primeiro na sua terra natal, e depois na Beira Baixa e no Alentejo. Testemunho desta actividade é o seu livro em dois volumes, Retalhos da Vida de um Médico, 1949-1963.
         Estreou-se no universo literário com o livro de poemas Relevos 1938.
         Três anos mais tarde, com o seu terceiro livro de poesia – Terra 1941 – deu início à colecção «Novo Cancioneiro», órgão do movimento literário neo-realista.
         No campo da prosa, nomeadamente no romance, com o título As Sete Partidas do Mundo 1938, ganhou o Prémio Almeida Garrett.
         A sua produção literária é vasta e variada. Assim, além da poesia e do romance, publicou contos, novelas, memórias, narrativas de viagem e biografias romanceadas.
         Fernando Namora é dos escritores portugueses contemporâneos mais divulgados em todo o mundo, sendo as seguintes, as suas obras principais:
Casa da Malta 1945; Minas de S. Francisco 1946; Domingo à Tarde 1961; Rio Triste 1982.
 
***
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
“Coimbra, 31 de Janeiro de 1966 – Os limites da angústia não coincidem obrigatoriamente com os limites da liberdade. Mas há terras onde nada impede que essa harmonia se realize, e deve ser bom ter o sentimento de que assim é. Pelo que me diz respeito, parece que morro sem conhecer o gosto de uma tal experiência humana. Aqui, a liberdade tem os limites do nosso corpo, e a angústia os da nossa alma.”
 
MIGUEL TORGA, Diário X, Coimbra, 1995, p. 979.
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Sábado, 30 de Janeiro de 2010

GANDHI

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
O ASSASSINATO DE GANDHI
 
         De seu nome completo Mohandas Karamchand Gandhi, nasceu em Porbandar, golfo de Omã, a 2 de Outubro de 1869, e faleceu a 30 de Janeiro de 1948, assassinado por um fanático hindu.
         Gandhi, pertencendo a uma família abastada, foi educado por um brâmane no culto da seita de Jai, que preconiza a independência indiana e tem por base os mandamentos do Ahimsã, isto é, a resistência passiva. Depois de frequentar várias escolas da sua terra natal, e ingressar aos dezassete anos na Universidade de Ahmedabah, tendo passado nesse momento por uma grave crise religiosa. Ele próprio confessou: “Pela minha revolta contra a idolatria hindu fui durante algum tempo um mísero ateu!”
No início do segundo ano da Universidade, decidiu partir para Inglaterra e começou a estudar Direito em Londres, entre 1888 e 1891. Regressou à Índia e passou a exercer as funções de advogado no Supremo Tribunal de Bombaim, porém, anos mais tarde, abandonou este cargo, que considerava imoral.
De seguida, viveu na África do Sul, onde lutou pela igualdade de direitos da minoria indiana, durante o período que se estende de 1893 ao ano do início da 1ª Grande Guerra, 1914.
         Em 1915, regressou à Índia, onde, durante o conflito que assolou o mundo, defendeu a colaboração com os Britânicos. Entendimento que terminou após a tragédia de Amritsar (13 de Abril de 1919), iniciando a sua actividade política que tinha como finalidade a expulsão dos Ingleses da Índia.
         Por inúmeras vezes, foi processado e preso, por proclamar abertamente a vontade de independência do povo indiano, nomeadamente, na conferência de mesa-redonda realizada em Londres, em Setembro de 1931.
         Retirou-se da política no período compreendido entre 1934 e 1939, para neste último ano, voltar e impor como presidente do Partido da Independência o seu discípulo Rajendra Prasai.
         Entre 1939-1945, isto é, durante o período da II Guerra Mundial, manteve-se neutral, inclusivamente no que respeita à Inglaterra.
         Quando a Guerra terminou, viu a sua luta de uma vida coroada de êxito, com a saída da Inglaterra da Índia, o que sucedeu no ano de 1947. Porém, outro problema de semelhante monta surgiu, quando a minoria muçulmana do país se recusou a permanecer no novo estado independente.
         Gandhi reconheceu a independência do Paquistão em 15 de Agosto de 1947. No início do ano seguinte, mais propriamente a 30 de Janeiro de 1948, seria assassinado por um fanático hindu, que lhe desferiu três tiros, quando o “Mahatma”, acompanhado da sua neta Avah e alguns amigos, se dirigia para uma habitual reunião de preces.
         “O Pai morreu”, foi com estas palavras que, um amigo de Gandhi, informou a multidão que esperava ansiosamente por notícias sobre o estado de saúde do “Mahatma”
         A luta de Gandhi contra o colonialismo britânico e as injustiças das suas leis, é célebre em todo o mundo pelo princípio da resistência passiva, onde se incluem a não cooperação e a desobediência civil. Gandhi definiu assim a sua luta: “A não cooperação completa carece de uma organização completa. A desordem vem da cólera e é necessária a ausência total da violência. Antes de tudo é preciso que a ordem seja mantida e rigorosamente observada. À força brutal devemos responder apenas com o sacrifício, o amor e a fé.”
         Em 1948, foi dado ao prelo o único livro que nos deixou, The Story of my experiment with Truth.
         Entre outros, foram seus contemporâneos, políticos como, o português Óscar Carmona (1869-1951), o britânico Winston Churchill (1874-1965), ou o brasileiro Getúlio Vargas (1883-1954), e escritores como Rabindranath Tagore (1861-1941), Rudyard Kipling (1865-1936) ou Edward M. Forster (1879-1970).
 
***
 
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
         “É fácil falar de Deus depois de um bom pequeno-almoço e na perspectiva de um almoço melhor. Mas, como posso falar de Deus a milhares de homens que se vêem obrigados a prescindir de duas refeições diárias? Para eles, Deus não poderá assumir melhor forma do que a de um pão com manteiga.”
 
         MAHATMA GANDHI (1869-1948)
 
***
 
Coimbra, 30 de Janeiro de 1948 – Mataram Gandhi, a tiros. Houve um homem na Índia capaz de puxar ao gatilho contra a própria alma! A mercadora mas tolerante Inglaterra, se acaso o não entendeu, pelo menos respeitou sempre aquela vida que, mal entrava em jejum, fazia estremecer a terra. O fanatismo religioso, esse pôde alvejar a luz, e apagá-la! Não havia no mundo quem merecesse menos do que o Mahatma a violência brutal de um assassínio. O seu apostolado foi a expressão mais alta que se viu até hoje da intangibilidade da pessoa humana. O próprio Cristo pegou num chicote, e apensou à sua pregação de amor o rabo-leva de uma agressão. Gandhi, nesse caminho, foi o primeiro a conservar intacta a beleza da sua doutrina. Era um Sócrates da acção. E, exactamente como o Grego, morreu à mão dos contrários. O filósofo do justo bebeu a cicuta da injustiça; o resistente das mãos caídas tombou varado de balas. Mas, da mesma maneira que Atenas, matando Sócrates, lhe deu razão, também a Índia, assassinando Gandhi, lha dá. A justiça não ficou do lado da cicuta, nem a resistência há-de ficar do lado das pistolas. O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida.
 
MIGUEL TORGA, Diário IV, Coimbra, 3ª ed., 1973, pp. 83-84.
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Sexta-feira, 29 de Janeiro de 2010

TEÓFILO BRAGA

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
 TEÓFILO BRAGA
 
A 28 de Janeiro de 1924, em Lisboa, faleceu o escritor e político Joaquim TEÓFILO BRAGA, que nasceu na ilha açoriana de Ponta Delgada, em 24 de Fevereiro de 1843.
Profissionalmente, começou por ser tipógrafo, tendo ele próprio composto o seu primeiro livro de poesia, intitulado Folhas Verdes (1860).
No ano seguinte, 1861, começou a estudar Direito na Universidade de Coimbra, participando na célebre polémica literária que opôs os românticos aos realistas, ficando conhecida por «Questão Coimbrã» e que opôs o grupo de António Feliciano de Castilho ao de Antero de Quental.
Finalmente, em 1868, doutorou-se em Direito.
De 1872 até 1910, ano da implantação da República, Teófilo Braga regeu a «cadeira» de Literaturas Modernas no Curso Superior de Letras, em Lisboa.
Militante no Partido Republicano, de tendência socializante e anticlerical, presidiu ao governo provisório, surgido após a revolução republicana do 5 de Outubro de 1910, e foi Presidente da República durante algum tempo em 1915.
Dissemos acima que, Teófilo Braga se estreou no mundo das Letras, com um livro de poesia, estilo literário que cultivou até ao fim da sua vida, embora se tenha distinguido, sobretudo, no campo da história literária.
Teófilo Braga foi um dos principais apóstolos do sistema filosófico do positivismo em Portugal, que se reflecte na enciclopédia da história cultural portuguesa que nos legou.
 
 
 
 
 * * *
 
 
 
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
 
Serra da Estrela, 28 de Janeiro de 1973
 
NEVE
 
O banquete é de fria solidão.
Mas vale a pena ser,
Num intervalo limpo de viver,
Conviva na toalha desta mesa
Lavada e posta
No chão da natureza,
E, deslumbrado, ter
O gosto da mais pura
Brancura
Que a fome das pupilas pode ver.
 
Miguel Torga, Diário XI, Coimbra, 1995, p. 1136.
 
 
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ALÇADA BAPTISTA

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA FUNDA O TEMPO E O MODO
 
 
         A 29 de Janeiro de 1963, António Alçada Baptista, nascido na Covilhã a 29 de Janeiro de 1927, funda a revista de cultura O Tempo e o Modo, da qual foi director na sua primeira fase, até 1969.
         António Alçada Baptista formou-se em advocacia na Faculdade de Direito de Lisboa. Dedicou-se ao jornalismo, tendo sido director do jornal O Dia, e à difusão cultural através da editora Moraes.
         Em 1984 exerceu o cargo de presidente do Instituto Português do Livro.
         A sua produção literária é multifacetada, passando pelo ensaio, crónica, memorialismo e narrativa, tendo como característica principal, a tentativa da transformação do homem e da sociedade por imperativo interior de uma forte vinculação à transcendência, sendo a sua obra mais significativa, Peregrinação Interior.
         Animado por este espírito, António Alçada Baptista funda a revista de cultura O Tempo e o Modo, com um grupo de estudantes universitários que participavam na «Acção Católica». A revista segue o modelo da Esprit, tornando-se um símbolo da geração de 60.
         No dizer de João Bénard da Costa, a grande novidade da revista foi “institucionalizar historicamente o diálogo entre crentes e não-crentes”
         Mário Soares, numa homenagem a António Alçada Baptista confessou que, este último, o convidou, e também a Salgado Zenha, para integrarem o quadro de redactores da revista, ao que Soares terá respondido que era agnóstico. Mesmo assim, os redactores da revista foram a votos, tendo, porém, rezado antes da votação um Pai-Nosso.
         Após a votação, Soares e Zenha foram admitidos nos quadros da revista.
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
29 de Janeiro de 2009
 
A PRIMEIRA DESILUSÃO
 
Logo que soube que ias à festa,
Passei a noite no desatino do ata, desata.
Apesar de jeitoso não me safei,
Sem pedir ajuda para o nó da gravata.
 
Com a lâmina rapei a pouca barba,
Penteei a trunfa, vesti o domingueiro fato.
E já que por ti pusera a odiada coleira,
Cuspindo, engraxei o bicudo sapato.
 
Os rapazes levavam altas bebidas,
As meninas comida para os tolos.
Ao meu pai surripiei uma garrafa de whisky,
Para te impressionar comprei uma dúzia de bolos.
 
Logo que tocou o primeiro slow,
Fui-te buscar para dançar.
Sentir todo o teu corpo no meu,
Foi tão bom que não deu para acreditar.
 
Disseste ires ao WC no fim do salão,
De mão dada com outro te vi a sair.
Tornaste-te na minha primeira desilusão,
E fizeste-me embebedar até cair.
 
Os rapazes levavam altas bebidas,
As meninas comidas para tolos.
Ao meu pai surripiei uma garrafa de wihsky,
Para te impressionar comprei uma dúzia de bolos.
 
JOSÉ LANÇA-COELHO
 
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Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2010

MOZART

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA COELHO
 
27 JANEIRO 1756 - O NASCIMENTO DE MOZART
 
         Wolfgang Amadeus Mozart nasceu a 27 de Janeiro de 1756. Com seis anos, estreou-se no mundo da música, ao lado da sua irmã Maria Anna, com concertos de piano, primeiro, na corte de Viena, e depois, numa ‘tournée’ entre 1763 e 1766, por várias cidades alemãs, a que se seguiram Paris e Londres, onde foi fortemente influenciado por Bach.
         A precocidade é uma característica da sua personalidade, assim, aos nove anos escreveu a sua primeira ópera, intitulada Apolo e Jacinto. Com onze, a pedido do imperador José II, compôs a ópera La Finta Semplice e a ópera cómica Bastien et Bastienne, que se estrearia em Viena em 1768. Com treze, o arcebispo de Zalzburgo nomeou-o seu concertino.
         No ano seguinte, 1769, realizou nova ‘tournée’, desta vez a Itália, donde voltou impressionado com a ópera italiana.
         Doze anos depois muda-se para Viena e, no ano seguinte, 1782, após a estreia da sua ópera O Rapto do Serralho, casa-se com Konstanze Weber, de quem terá seis filhos, de que apenas sobrevivem dois varões. Durante este período, as condições económicas do casal Mozart agravam-se, no entanto, é a ele que correspondem a produção das suas obras-primas como: o Requiem, As Bodas de Fígaro 1786, Don Giovanni 1787, A Flauta Mágica 1791.
         Em termos musicais o mérito principal de Mozart é o desenvolvimento da sonata, do quarteto de cordas, do concerto instrumental e da sinfonia.
         Relativamente à ópera, libertou as formas herdadas da ópera séria, ópera-bufa e Singspiel vienense dos seus esquemas rígidos, transformou em actores as figuras simbólicas, e forneceu uma importância dramática à música através da expressão referenciada ao texto, da ampliação das cenas finais e da acentuação das cenas de conjunto.
         O índice temático das obras de Mozart, para além do Requiem e das óperas, engloba 40 sinfonias, 40 canções, 31 serenatas, 43 concertos instrumentais, mais de 30 quartetos de corda, entre outras inúmeras e variadas composições musicais.
         Amadeus Mozart faleceu em Viena a 5 de Dezembro de 1791.
 
 
***
 
 
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
 
RENOVAÇÃO
 
Vim ao Alentejo
no início da Primavera
reabrir o grande livro da natureza,
mas foi esta que mais uma vez
me desflorou os olhos,
desfolhando-me as folhas das árvores,
dando-me o chilrear duma multidão de pássaros,
mandando-me o balir das ovelhas aguilhadas pelo Sol,
colorindo-me os pés com as flores silvestres,
enquanto o quente do vento me ciciava
- ‘volta para o ano que a eterna renovação
da vida cá te espera’ -,
e eu, na minha mesquinha finitude,
deixei-me iludir e acreditei que regressarei.
Para o ano se verá,
se a natureza me concede esse supremo dom,
que tão naturalmente é dado aos mortais.
 
JOSÉ LANÇA-COELHO, 27 de Janeiro de 2010
 
 
 
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Terça-feira, 26 de Janeiro de 2010

HISTÓRIA - SÉCULO XX

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
26 de JANEIRO de 1949 : AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES EM ISRAEL
 
         No dia 26 de Janeiro de 1949 realizaram-se em Israel, as primeiras eleições para a Assembleia Constituinte.
         Depois de 70% dos votos contados, deu as seguintes percentagens:
Mapai (Partido de Ben Gurion) – 35%
Mapam (Partido Trabalhista Unificado da Esquerda) – 14%
Bloco Religioso Unificado – 14,1%
Ala Direita do Heruth – 9,2%
Partido Democrata Progressista – 4,6%
Partido Comunista – 2,6%
         Esclareça-se que o Partido Mapai, a que pertencem Bem Gurion, chefe do Governo Provisório, e Moshe Shertock, ministro dos Estrangeiros se caracteriza por um trabalhismo construtivo.
         Relativamente ao Partido Mapam, politicamente mais para a esquerda, é formado por intelectuais e por pioneiros que criaram as famosas colónias israelitas da Palestina.
         Os grandes vencidos destas eleições são os partidos extremistas, já que o Partido Comunista, por exemplo, não terá mais do que quatro ou cinco representantes entre os 120 parlamentares, e Friedman Yellini, que se encontra actualmente na prisão `espera de comparecer perante o tribunal, como chefe do Stern, será provavelmente o representante deste grupo no Parlamento.
         Estes resultados apenas indicavam as percentagens, uma vez que, por razões de segurança, o Governo israelita não queria, indicando o número de votantes, revelar a importância das Forças Armadas.
         Entretanto, um informador do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Itália, informou que este país reconheceu «de facto» o novo Estado de Israel, passando assim para 24 os países que o fizeram.
O reconhecimento de Israel por os citados 24 países fez-se do seguinte modo: oito reconheceram-no de «facto», quatro «de jure» e os restantes de forma indefinida.
 
***
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
26 de Janeiro de 1949 – Está provado que não nasci para falar a doutores. Um dos meus professores viu direito quando, no meu exame de admissão ao estágio, lamentou que a minha linguagem nem sempre fosse a mais conveniente. O princípio do mal está em mim, que sou saloio por dentro; saloio, não: cabreiro. E depois deu asas a isto o facto de eu me ter feito homem entre camponeses e pescadores e ter tido sempre o cuidado de falar como eles, para estarmos todos à vontade. Ao par do que aí fica, acontece que venho de lavradores, jardineiros e comerciantes; tudo gente de cepa honrada mas agreste. O que não quer dizer que a cepa seja de não dar flor: tenho um primo que guarda ovelhas e as beija e as trata como a suas irmãs; um São Francisco em bruto. (…)
 
SEBASTIÃO DA GAMA, Diário, Lisboa, s/d, pp. 43-44.
 
 
 
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Segunda-feira, 25 de Janeiro de 2010

AFONSO LOPES VIEIRA

 

DA MEMÓRIA…AFONSO LOPES VIEIRA
 
Leiria, 26.1.1878-Lisboa, 25.1.1946
 
         Ainda criança veio morar para Lisboa, onde faria o Liceu. Com dezoito anos, em 1894, foi estudar para a Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito (1900).
         Após se casar, em 1902, viajou pela Europa, de onde regressou com a ideia de “reaportuguesar Portugal, tornando-o europeu”. É nesta matriz que se insere, o reavivar da obra literária de Gil Vicente, fazendo com que reaparecesse nos nossos palcos o homem de génio que introduziu o Teatro em Portugal. A sua “Campanha Vicentina” tem como precioso colaborador, o actor Augusto Rosa, que compreendeu os seus ideais.
         As representações vicentinas do «Mestre da Balança» no velho Teatro da República arrebataram o público, tornando-se um exemplo que frutificou em Amélia Rey Colaço, para quem Afonso Lopes Vieira actualizava os textos, ao mesmo tempo que, preparava conferências, que eram autênticas lições de erudição, acessíveis a todas as inteligências.
         A Mestre Gil Vicente seguiu-se o imortal Camões, autor para quem encontra a prestimosa colaboração do professor José Maria Rodrigues. Ambos publicam Os Lusíadas e a Lírica de Luís Vaz, fornecendo um inestimável serviço à cultura nacional.
         Também as suas adaptações de O Romance de Amadis (1922), A «Diana» de Jorge de Montemor (1924) e O Poema do Cid (1929) contribuíram para valorizar a língua portuguesa.
         Grande amigo das crianças escreveu para elas livros como, Animais Nossos Amigos, Conto Infantil, Fernão Mendes no Japão e Bartolomeu Marinheiro. Deste último, aqui fica a conhecida quadra:
 
“Que era o mar antigamente?
Um quarto escuro.
Onde os meninos tinham medo de ir…
O mar agora é amplo e seguro.
E foi um português que o foi abrir!”
 
         O mar foi um dos dois grandes motivos da sua inspiração poética, como se pode constatar, visitando a sua casa de S. Pedro de Muel, ao lado da seiva revigoradora dos cancioneiros e do romanceiro português, como podemos constatar no seguinte poema:
 
 
 
FLORES DO VERDE PINHO
 
Ó meu jardim de saudades,
Verde catedral marinha
E cuja reza caminha
Pelas reboantes naves…
 
Ai flores do verde pinho,
Dizei que novas sabedes
Da minha alma, cujas sedes
Me perderam no caminho!
 
Revejo-te e venho exangue;
Acolhe-me com piedade,
Longo jardim de saudade
Que me puseste no sangue.
 
Ai flores do verde ramo,
Dizei que novas sabedes
Da minha alma, cujas sedes
Ma alongaram do que eu amo!
 
- A tua alma em mim existe
E anda no aroma das flores
Que te falamdos amores
De tudo o que é lindo e triste.
 
A tua alma, com carinho,
Eu guardo-a e deito-a, a cantar,
Das flores do verde pinho
- Àquelas ondas do mar.
 
              (in País Lilás, Desterro Azul)
 
         As obras principais da sua poesia são: Rosas Bravas 1911, Canções do Vento e do Sol 1911, Ilhas de Bruma 1917, País Lilás, Desterro Azul 1922, e Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa 1940.
         Colaborou em revistas como, A Águia 1911, e Lusitânia 1924-1927, publicou a novela Marques 1904, para além de peças de teatro, conferências e ensaios.
         Poeta, prosador, filólogo, investigador, honrou a literatura e a arte portuguesas.
 
*
 
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
“Coimbra, 25 de Janeiro de 1979 – É escusado. Cada português que se preza é uma muralha de suficiência contra a qual se quebram todas as vagas da inquietação. Conhece tudo, previu tudo, tem solução para tudo. E quando alguém se apresenta carregado de dúvidas, tolhido de perplexidades, vira-lhe as costas ou tapa os ouvidos. Um mínimo de atenção ao interlocutor seria já uma prova de fraqueza, uma confissão de falibilidade. Quanto mais apertado o seu horizonte intelectual, mais porfia na vulgaridade das certezas que proclama. Não há maneira humilde e cabeçuda dos que se limitam a transmitir sem análise um saber ancestral, mas como um presumido doutor, impante de mediocridade.”
 
MIGUEL TORGA, Diário XIII, Coimbra, 1995, p. 1288.
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Domingo, 24 de Janeiro de 2010

ANTÓNIO SÉRGIO

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
ANTÓNIO SÉRGIO
 
Damão, Índia 3.9.1883-Lisboa, 24.1.1969
 
         No dia 24 de Janeiro de 1969, o meu avô materno, Armando Aguiar, disse-me que o nosso país acabava de perder um grande português.
         O seu nome era António Sérgio, filho do almirante Sérgio de Sousa, viveu a sua infância na Índia e na África, abraçando a carreira da Marinha que abandonou após a proclamação da República, tornando-se um grande lutador pela instauração da democracia neste país, contra a ditadura salazarista.
         Eu conhecia-o desde há muito e até já lera algumas das suas obras, sendo a primeira o Bosquejo da História de Portugal (1923), que me forneceu uma nova visão da nossa História, diferente daquela que o regime ditatorial me inculcara na Instrução Primária e no Liceu.
         Aqui em casa existem muitos livros escritos por Sérgio, alguns bem peculiares, como são os casos de uns pequeninos chamados Antologia Sociológica (1956), que foram feitos em edição de autor, entre 1956 e 1957, para além dos oito volumes dos clássicos Ensaios (1971-1974) e, sobretudo, a Introdução Actual ao Problema Cooperativista (1937 e as Confissões de um Cooperativista, que diziam tanto ao meu avô, que acreditando nesta actividade, sinónimo de solidariedade, fundara a primeira cooperativa de consumo do país.
         Há muitos anos, ainda eu não era nascido, já o meu avô seguia atentamente o programa politico e socioeconómico proposto por Sérgio.
         Quem mo disse foi a minha mãe que, ainda uma jovem menina, com doze ou treze anos, acompanhava o seu pai, a um local em Campo de Ourique (Lisboa), que se chamava ‘A Padaria do Povo’, onde António Sérgio falava a quem o quisesse, ou melhor, pudesse, ouvir, já que, a PIDE, como infelizmente lhe ‘competia’, arrecadava alguns dos assistentes às ditas palestras, levando-os para os identificar na sua sede na Rua António Maria Cardoso, ou quando já eram ‘conhecidos’ para o seu Quartel-General, no Forte de Caxias.
         Devo ainda acrescentar que, o meu avô tinha a coragem de ir às masmorras de Caxias visitar os presos políticos, levando a minha mãe com ele, para que ela tivesse noção do que era o regime em que se vivia; bem como de fundar a “Cooperativa de Consumo 2ª Comuna”, sita na Rua do Alvito, o que lhe valeu muitas chamadas à PIDE.
         O orador falava de cooperativismo associativista como uma forma de educação, e não do corporativismo, sistema em que se baseava a ditadura de Salazar; falava também de partilha, solidariedade e socialismo democrático.
         Sérgio fazia parte do chamado ‘Grupo da Biblioteca Nacional’ constituído por outros vultos da cultura portuguesa como, Jaime Cortesão (1884-1960), Aquilino Ribeiro (1885-1963), Raul Proença (1884-1941) que, em 1924, lançou a revista ‘Lusitânia’, de que guardamos alguns exemplares.
         A colaboração de Sérgio em revistas literárias não se resume à anteriormente citada, tendo assinado artigos em ‘A Águia’ (1910), a ‘Vida Portuguesa’ (1912), órgão da Renascença Portuguesa, na ‘Atlântida’(1916), na ‘Pela Grei’(1918), e na ‘Seara Nova’, de que se tornou director a partir do ano de 1923.
         Neste ano de 1923, Sérgio fez parte de um governo republicano, ocupando a pasta da Instrução, tendo fundado o Instituto Português de Oncologia.
         Após a instauração da ditadura militar em 28 de Maio de 1926, conheceu o exílio. Quando regressou a Portugal dedicou-se ao ensino e à direcção e elaboração duma obra monumental que, para além da minha, deveria existir em todas as casas portuguesas, uma vez que nos tira todas as dúvidas sobre qualquer assunto, que dá pelo nome de Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.                                                  
         Ensaísta, crítico literário e social, pedagogo, historiador, político e filósofo, participante efectivo de todos os movimentos contra o Estado Novo, conhecendo a prisão política por cinco vezes, é considerado um dos mentores mais significativos do socialismo não totalitário português. Aqui fica o elenco das suas obras literárias, ainda não referidas, nesta pequena digressão pela minha memória: O Desejado 1924, 0 Seiscentismo 1926, História de Portugal 1926, Cartesianismo Ideal e Cartesianismo Real 1937, História de Portugal – I 1941, Antero de Quental e António Vieira 1948, Cartas do Terceiro Homem 1953-1957, Democracia 1974.
 
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DIÁRIO DO ESCRITOR
 
24 de Janeiro de 1949 – “ (…) tenho verificado que as melhores aulas da minha curta vida surgiram de repente, por causa de uma palavra, por causa de uma insignificância em que eu não pensara antes. Falei nisto ao metodólogo. Apoiou-me no que costume fazer, que é não levar, em português, a aula preparada tim-tim por tim-tim e concluiu que A LIÇÃO DE PORTUGUÊS ACONTECE.
 
SEBASTIÃO DA GAMA, Diário, Lisboa, p. 43, s/d.
publicado por cempalavras às 13:29
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Sábado, 23 de Janeiro de 2010

RAFAEL BORDALO PINHEIRO

 

DA MEMÓRIA …JOSÉ LANÇA-COELHO
 
23 DE JANEIRO
 
RAFAEL BORDALO PINHEIRO
 
         Este desenhador e ceramista nasceu em Lisboa, a 21 de Maio de 1846 e, faleceu, nesta mesma cidade, a 23 de Janeiro de 1905.
         Na capital do país, frequentou as Belas-Artes e o Curso Superior de Letras e, na década de 70 do século XIX, o seu nome começou a ser falado nas lides artísticas portuguesas. Tal facto, porém, não obstou a que, em 1875, embarcasse para o Rio de Janeiro, tornando-se assim, num dos raros emigrantes artísticos do seu tempo. No entanto, a sua estadia no país irmão, não durou mais do que quatro anos, devido às invejas que os seus confrades brasileiros lhe votavam, pela sua qualidade artística.
         Muitas das inovadoras ideias do artista ficaram registadas nos jornais brasileiros, que, posteriormente foram desenvolvidas nos jornais portugueses, como a invenção de figuras-tipo extraídas do quotidiano da política e do social, de que é caso paradigmático, o famoso ‘Zé-Povinho’ (1875), nascido nas páginas do jornal humorístico, A Lanterna Mágica, e que será uma constante na obra de Rafael Bordalo Pinheiro, nomeadamente, em A Paródia, no Álbum das Glórias.
         Ao contrário de outras figuras míticas representativas de outras nações, como o inglês ‘John Bull’, ou o norte-americano ‘Tio Sam’, o ‘Zé-Povinho’ não é uma figura exemplar, pelo contrário, ele é o representante paradigmático de um povo ou país, que, em qualquer circunstância, como por exemplo, na revolta, é constantemente a alegre vítima das instituições. Por outro lado, ele tem também um estatuto individualizado, uma vez que é a representação do próprio Rafael Bordalo Pinheiro, envelhecendo com ele no eterno, e bem lusíada «sempre à espera».
         O seu labor e capacidade artística levam-no, não só, a ser considerado o maior caricaturista e desenhador humorista português do século XIX, mas também, um precursor da Banda Desenhada e da publicidade artística.
         Por sugestão do escritor Ramalho Ortigão (Porto 24.10.1836-Lisboa 27.9.1915), orientou o seu trabalho no barro, para a criação, em 1885, da Fábrica de Faiança das Caldas da Rainha, onde desenvolverá uma cerâmica criativa de vários objectos, como pratos, jarras, bilhas e azulejos, algumas vezes monumental como nas célebres peças, a Talha Manuelina de 1892, ou na Jarra Beethoven, eivada de características naturalistas extremamente coloridas.
*
DIÁRIO DO ESCRITOR
 
Coimbra, 23 de Janeiro de 1979 – Um farrapo. Aparentemente ninguém diz, mas eu é que sei como caio aos bocados por dentro. Nunca devia ter nascido. Sem jeito para viver, arrasto-me no mundo como se ele não fosse o meu ambiente natural. Quando era novo, já admitia num poema Ser qualquer desgraça acontecida / Fora do seio mãe da natureza. Só que os versos dizem sempre mais do que o poeta adivinha, e é passados muitos anos que consciencializo a verdadeira extensão daquele lamento. Sim, sou mesmo o que então intuí. Um pobre homem absurdo que nunca se acostumou a respirar fora do líquido amniótico.
 
Miguel Torga, Diário XIII, Coimbra, 1975, p.1288.
publicado por cempalavras às 19:19
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Sexta-feira, 22 de Janeiro de 2010

FONTES PEREIRA DE MELO

 

DA MEMÓRIA…JOSÉ LANÇA-COELHO
 
MORTE DE FONTES PEREIRA DE MELO
 
         António Maria de Fontes Pereira de Melo nasceu, em Lisboa, a 8 de Setembro de 1819 e, faleceu, na mesma cidade, a 22 de Janeiro de 1887.
         Em 1834, com quinze anos, Fontes Pereira de Melo, assentou praça na armada. Mais tarde, concluiu o curso na Academia da Marinha e o de Engenharia na Escola do Exército, chegando a atingir o posto de general.
         Deputado desde 1848, tornou-se um dos maiores políticos portugueses do seu tempo, tendo gerido as pastas da Marinha e do Ultramar, das Obras Públicas (esta por ele criado), da Fazenda, do Reino e da Guerra.
         Mais tarde, presidiu ao conselho de ministros por três vezes, de 1870 a 1877, de 1878 a 1879, e, finalmente, de 1881 a 1886.
         Chefe do Partido Regenerador e principal promotor da política das obras de fomento, que ficou conhecida na História de Portugal, pela designação de “Fontismo”, a sua acção destaca-se, sobretudo, em duas vertentes, a das vias de comunicação e a educação.
         No concernente à primeira, Fontes Pereira de Melo notabilizou-se pela construção de estradas e vias-férreas, ao mesmo tempo que, edificou pontes e edifícios públicos. Relativamente à educação, foi, em 1852, o criador do ensino industrial, e, sete anos depois, organizou o ensino agrícola.
         Um pouco mais tarde, em 1884, Fontes reorganizou o exército português.
         O “Diário de Notícias”de 22 de Janeiro de 1887 fazia assim a descrição dos passos do óbito do grande estadista:
“Quinta-feira (…) foi assistir ao jantar no palácio do sr. Ministro da Rússia, onde sentiu breve indisposição gástrica, e ao regressar a casa foi surpreendido por um resfriamento, que a noite estava fria e agreste, e uma constipação, que se buscou debelar pelos meios ordinários.
         Sexta-feira, às 5 horas da manhã, declarou-se-lhe, porém, uma pneumonia dupla, que o seu assistente, o sr. dr. Ayres de Ornelas, quis activamente combater, mas ontem de tarde sobreveio-lhe uma questão pulmonar que prostrou, pode dizer-se, subitamente, aquele vulto, que fora verdadeiramente colossal na nossa política, na segunda metade do século actual.”
         A 22 de Janeiro de 1987, quando do centenário da morte de Fontes Pereira de Melo, a Câmara Municipal de Lisboa inaugurou uma lápide comemorativa no edifício municipal, sito no Pátio do Tijolo nº25, onde nasceu o estadista, e levou a cabo uma exposição iconográfica e documental no Palácio Galveias, sobre a figura e a obra deste grande português do século XIX.
 
publicado por cempalavras às 22:14
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