Sábado, 10 de Julho de 2010

HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

MATILDE ROSA ARAÚJO

 

         Conheci pessoalmente Matilde Rosa Araújo em 1979, quando fazia o estágio pedagógico na Escola Luísa Todi, em Setúbal.

         A escritora foi então convidada para ir falar aos alunos, e quem a levou lá, foi o meu colega Eduardo, cuja mãe, licenciada em Românicas, era também metodóloga, e amiga pessoal da escritora.

         Lembra-me que Matilde Rosa Araújo falou sobre a sua actividade de professora com uma extrema simplicidade, e do seu amor às crianças, que, como Fernando Pessoa dizia, são a melhor coisa do mundo.

         Falou, também, e em especial, de um rapaz que conhecera nas suas aulas, e que seguira com toda a sua ternura, ao longo dos anos, até ele se ter tornado um homem.

         Lembra-me, perfeitamente, de me ter impressionado, a bondade expressa pela professora/escritora do modo como falou daquele adolescente, que não lhe era nada familiarmente, mas cuja vida ela seguia como se fosse seu filho.

         Foi uma verdadeira aula de Pedagogia, a palestra que Matilde Rosa Araújo fez naquele dia para seis professores que, naquele ano lectivo de 1978/79, estavam a fazer o estágio pedagógico para se tornarem professores profissionalizados, e não andarem todos os anos com a casa às costas, e isso quando eram colocados, porque muitas vezes, por falta de vaga, isso não acontecia, e ficavam irremediavelmente desempregados.

         Desde esse dia nunca mais vi a escritora, embora continuasse a acompanhar a sua obra literária, uma vez que, poemas e textos da sua autoria, da cerca de vintena de livros que publicou durante a sua vida, continuavam a ser publicados nos diversos manuais que saíam todos os anos.

         Por aquelas ironias da vida, em 1989, realizei um dos grandes sonhos da minha vida – publiquei um livro. Chamava-se O Enigma da Gruta, e contava a história do concelho de Oeiras, com particular enfoque no tempo do Marquês de Pombal, que foi o primeiro conde de Oeiras e também o primeiro-ministro do rei D. José I. Curioso foi o facto da concretização desse sonho, derivar da obtenção do primeiro lugar num concurso literário da Associação Portuguesa de Escritores, cujo júri era formado por Maria Alberta Meneres, José Jorge Letria e, Matilde Rosa Araújo.

         É verdade, dez anos depois, os nossos caminhos voltavam a cruzar-     -se, embora Matilde Rosa Araújo não me identificasse com aquele jovem professor que, uma dezena de anos atrás, a ouvira embevecido falar das crianças.

         Anos depois, ouvi Matilde Rosa Araújo na televisão, falar sobre a honra que era terem dado o seu nome a uma Escola.

         Mais anos se passaram até ao dia seis de Julho de 2010, quando soube do seu falecimento, numa reunião de leitores da Biblioteca de Carnaxide.

Os livros, sempre os livros! Eles marcaram a minha vida, bem como os escritores que os escreveram como, a inesquecível Matilde Rosa Araújo!

publicado por cempalavras às 00:30
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Quinta-feira, 1 de Julho de 2010

HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

COUTO VIANA, “A TÁVOLA REDONDA” E MANUEL ANTUNES

 

         Agora que António Manuel Couto Viana faleceu (Lisboa, 8 de Junho de 2010) – era o único sobrevivente da revista de poesia Távola Redonda – forçoso se torna falar do poeta e da revista de que foi co-director, pois um e outro se confundem na História da Literatura Portuguesa.

         Nascido a 24 de Janeiro de 1923, em Viana do Castelo, começou por se dedicar ao teatro, influência da sua família que era proprietária do Teatro Sá da Bandeira, situado nesta cidade minhota, onde representou pela primeira vez e estreou a sua peça Rosa Verde, dedicada à infância.

         No teatro, além de autor – O Caminho É por aqui (1949) - e intérprete, foi também encenador – adaptou O Fidalgo Aprendiz, de D. Francisco Manuel de Melo -, e tradutor, nomeadamente, de Sófocles, Moliére e Calderón de la Barca. Além de a Távola Redonda (1950-1954), dirigiu também a Graal (1956-1957), pertenceu ao conselho redactorial de Tempo Presente (1959). Na poesia estreou-se com O Avestruz Lírico (1948). Nos anos 70, a sua poesia passou de um certo neoparnasianismo para um confessionalismo retórico e historicamente datado, como em Ponto de não Regresso (1982), com poemas sebastianistas ou messiânicos que preconizam o regresso à monarquia e lamentam o pós-Revolução do 25 de Abril de 74. Recebeu o Prémio Antero de Quental por duas vezes, em 1949 com O Sossego da Hora e em 1959 com Mancha Solar; o Prémio Nacional de Poesia, em 1965, com Poesia(1948-1963); e, o Prémio da Academia das Ciências de Lisboa, em 1971, com Pátria Exausta.

         Em 1988, Couto Viana fez uma antologia de As folhas de poesia da Távola Redonda para o Boletim Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, onde assinala o início da publicação da revista – 17 de Janeiro de 1950 – e o seu corpo redactorial constituído por três directores, o próprio Couto Viana, David Mourão-Ferreira e Luiz de Macedo, o director artístico António Vaz Pereira e, o secretário Alberto de Lacerda.

         A revista foi distribuída por “o Chiado lisboeta, a começar pela Brasileira, café de altas tradições culturais, onde ainda se podia dialogar, frente à bica e ao copo d’água, com os quase lendários sobreviventes do Orpheu e da Presença.”, e pelas livrarias da praxe que ele não indica, mas a que não devem ser alheias a Bertrand e a Sá da Costa. No que respeita ao preço e à distribuição, Couto Viana escreve: “Vinha datada de 15 de Janeiro, dispunha-se a sair quinzenalmente e custava 2$50. Distribuíam-     -na em Lisboa, pessoalmente (dezenas de exemplares sob os braços corajosos!) os seus mais próximos responsáveis. Na Província, sempre o altruísmo de algum poeta assumia o cargo de seu representante, como em Azeitão e Setúbal, breve em Estremoz, a dedicação e o entusiasmo de Sebastião da Gama.”

         Quanto ao aspecto, Viana define-o assim:”Eram oito páginas de papel pardo e grosseiro, vulgarmente chamado «de embrulho», impressas ora a preto, ora a sépia, ora a azul, ora a verde… E ricamente, e profusamente ilustradas (…)”. No respeitante aos colaboradores: “Nenhum nome consagrado assinava a colaboração em verso ou prosa do primeiro número. Todavia, alguns dos poetas presentes haviam já publicado as suas primícias em volume (...)”. Relativamente ao aparecimento da revista, Couto Viana explica: “(…) pelos finais de 1949, um grupo de jovens poetas, ligados por um convívio estreito de amizade e comunhão de ideais estéticos, tomava consciência de que podia oferecer algo de novo e sério à poesia portuguesa. (…) Não lhe eram propícios os recursos financeiros, quase todos os componentes estudantes universitários, sem qualquer independência económica.” Porém, o facto de Couto Viana ter crédito numa pequena tipografia e, o de Vaz Pereira ser capaz de desenhar directamente numa chapa litográfica, determinaram o aparecimento de “Távola Redonda”, que, só não se chamou “Arame Farpado”, porque Afonso Lopes Vieira chamou a atenção de todo o grupo das implicações políticas que tal designação lhes poderia trazer.

         Que novidades traziam estas folhas de poesia, numeradas em fascículos, o que lhes permitia escapar a avultada caução e à vexante censura prévia? A revalorização do Lirismo, preconizada por Mourão-Ferreira; as exigências de autenticidade, a criação em liberdade, a capacidade de admirar, criticamente, os nossos grandes poetas anteriores a 1950, sem reservas ideológicas e estéticas.

         A “Távola Redonda” durou quatro anos, a que correspondem 20 fascículos que, de quinzenais passaram a mensais e a bimensais, atingindo o preço de 10 escudos, conhecendo três secretários-tesoureiros, editando 63 poetas portugueses, 6 poetas brasileiros, e, em tradução ou no original, poetas belgas, espanhóis, italianos e ingleses, e ainda, um enorme número de ensaios e recensões críticas sobre Poesia.

         Em finais de 1950, a “Távola Redonda”editou uma colecção de poesia, cuja primeira série foi dirigida por Daniel Filipe e teve direcção artística de António Vaz Pereira, e publicou autores como, David Mourão-Ferreira, Luiz de Macedo, Fernanda Botelho, Couto Viana, a brasileira Terezinha Éboli e Fernando de Paços. A segunda série, caracterizada por uma “orientação mais larga e composição mais heterogénea” publicou, Carlos Lemonde de Macedo, Henrique Segurado, Luiz de Macedo, Couto Viana e José António Ribeiro.

         Ao editar os fascículos 19 e 20, a 15 de Julho de 1954, a “Távola Redonda” cessou a sua publicação, considerando que atingira os seus objectivos “cifrados quase todos numa revalorização do Lirismo como primeiro estádio da criação poética” uma vez que, “os seus mais chegados orientadores não podiam totalmente realizar-se numas restritivas folhas de poesia, já que outras ambições culturais se lhe impunham, lhes ocupavam o espírito criador.

         Aqui fica um poema de António Manuel Couto Viana, datado de 28 de Setembro de 1949:

 

 “Moimento”

 

Puseram a bandeira a meia-haste

E decretaram luto na cidade,

Responsos, coroas, círios – quanto baste

Para iludir a eternidade.

 

Teve o nome nas ruas, em moimentos:

«Nasceu – morreu – tantos de tal – Poeta».

Houve discursos graves, longos, lentos.

- Venham todos os ventos

Do planeta!

 

Rasguem bandeiras, sequem flores; no céu

Se percam orações, paters e glórias

- Tudo isto é dor que não lhe pertenceu –

Destruam as estátuas e as memórias;

Que os discursos inúteis vão dispersos…

                                               

- A homenagem a um Poeta que morreu

É decorar-lhe os versos!

 

         Como dissemos acima, são inúmeras as recensões criticas que podemos encontrar nas páginas da Távola Redonda. Uma das que Couto Viana transcreve na Antologia que vimos seguindo é da autoria do meu Mestre na Faculdade de Letras, o Professor Manuel Antunes S. J., um vulto da Cultura e um Pedagogo inigualável, daí que, como homenagem ao Homem e ao Intelectual, se transcreva um excerto retirado do fascículo 8, relativo ao poeta Jorge de Lima:

 

         “(…) O explorador de pálpebras inquietas embarcado sempre na grande aventura da descoberta do ser em totalidade. Aquém e além do imediatamente perceptível o destino do Poeta é navegar. E quanto mais avança menos se satisfaz. Por isso quando outros poetas, com a idade, se detêm, J. de Lima, cada vez mais ousado, cria novas palavras, violenta a sintaxe, refugia-se no símbolo para lograr exprimir uma realidade infinitamente rica que ele pressente mas não chega, de todo, a alcançar.

         J. de Lima é assim o Poeta que, a um tempo, rasga e continua a tradição. Como harmonizar esta vontade de ruptura com esta fidelidade fundamental? Pelo seu temperamento, ávido de concreto e ambicioso de soluções totais. A avidez de concreto arraiga no lado sensual da sua natureza; a a

publicado por cempalavras às 22:28
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