Quarta-feira, 20 de Outubro de 2010

HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

LUZ DE ALMEIDA – UM REPUBLICANO A CONHECER MELHOR

 

         São diversos os republicanos – mulheres e homens – que, tendo participado no 5 de Outubro de 1910, com acções decisivas, se encontram esquecidos pela grande maioria das pessoas.

         Está neste caso, Artur Augusto Duarte Luz de Almeida, nascido em Alenquer, no ano de 1867, filho de um regente escolar, que viria a diplomar-se em Lisboa no curso de Bibliotecário e Arquivista.

         Enquanto estudante, Luz Almeida filiara-se na Maçonaria Académica, fundando a Loja Montanha, local onde mais tarde nasceria a Carbonária Portuguesa, quando as ‘lojas’ passaram a ‘choças’.

         Vivendo na freguesia lisboeta de S. Vicente de Fora, Luz Almeida tornou-se o director da biblioteca da Rua do Saco, deambulando pela cidade, procurando arregimentar activamente cidadãos para a sua luta clandestina, nomeadamente, no Rossio, em pleno Café Gelo – que mais tarde, por volta do final dos anos quarenta, princípio dos cinquenta do século XX, se tornaria o poiso do movimento surrealista – jovens activos e empenhados na mudança da estrutura da sociedade, principalmente alunos militares.

         Os seus contemporâneos descrevem-no do seguinte modo: sempre vestido de negro, com um grande lenço a cobrir-lhe o peito e a gaforinha negra do revolucionário.

         A obra de aliciamento para a Carbonária, executada por Luz Afonso, foi uma das traves-mestras para a implantação da República, como o provam os quarenta mil membros existentes nas vésperas da revolução, bem treinados em pontaria na carreira de tiro de Alcântara.

         Entre os angariados por Luz Almeida, contam-se personalidades como, o escritor Aquilino Ribeiro, o oficial da Armada Machado Santos, um dos heróis da Rotunda, e, o almirante Cândido dos Reis que, num acto de desespero, se suicidaria na véspera do golpe de 5 de Outubro de 1910 por julgar tudo perdido.

         Apesar do escol anunciado, a Carbonária caracterizava-se por, ao contrário da Maçonaria, concentrar entre os seus membros cidadãos de baixa categoria social, como operários e militares de baixa patente, ao mesmo tempo que, sobrevalorizava a luta armada.

         Luz Almeida não se limitava à capital, deambulando por todo o país na captação de membros para a sua causa.

         A 28 de Janeiro de 1908, três dias antes do Regicídio, participou no golpe falhado conhecido historicamente por ‘Janeirada’, tendo ido parar à cadeia.

         Em Outubro do ano seguinte, já em liberdade, é acusado de ter morto, em Cascais, mais precisamente no local conhecido por Boca do Inferno, um apaniguado seu que, ameaçava denunciar todos os seus camaradas à polícia. Embora inocente, Luz Almeida é metido quase à força, pelos seus amigos, dentro de um carro que o conduzirá a Paris.

         Voltando a Portugal, já depois do 5 de Outubro de 1910, continua a trabalhar na biblioteca da Rua do Saco, sendo eleito deputado no ano seguinte. Porém, não aceita esse cargo, preferindo rumar ao Norte, com o objectivo de combater as incursões monárquicas.

         Em 1913, com o progressivo desagregamento e, consequente desaparecimento da Carbonária, Luz de Almeida dedica-se ao seu novo cargo, o de inspector das bibliotecas populares e móveis, no entanto, não abandona em definitivo a sua luta, sendo inclusivamente preso no governo liderado por Sidónio Pais.

         De novo em liberdade, tenta a fundação de nova organização secreta, porém, sem qualquer êxito. Perseguido, passa mais uma vez à clandestinidade, até que morre em Lisboa, no ano de 1939.

publicado por cempalavras às 17:11
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Sexta-feira, 15 de Outubro de 2010

HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

A IMPRENSA REPUBLICANA EM OEIRAS ENTRE 1908 E 1912

 

* JOSÉ LANÇA-COELHO

 

         Para abordarmos este tema, tomámos como amostra o seguinte universo:

 

1º - Todas as publicações dadas ao prelo entre os anos de 1908 e de 1912, em especial, aquelas que se reclamam de republicanas, não só no que respeita à ‘Conotação’, mas também ao ‘Programa’, embora, se possa abordar publicações de tendência monárquica, com o objectivo de marcar as diferenças entre estas últimas e as de matriz republicana; como também, outras publicações que ideologicamente se colocam à esquerda das republicanas, nomeadamente, as de tendência socialista e anarquista.

 

2º - Abrangemos apenas as publicações relativas às freguesias que actualmente se inserem nos limites do Concelho de Oeiras;

 

3º - Será também nosso objectivo, mostrar como os intervenientes republicanos das diversas publicações, mudavam os nomes destas últimas e ocupavam funções administrativas diversas, para fugirem às perseguições policiais que, primeiro, a ditadura de João Franco e a ‘Lei da Rolha’(1906-1908), e depois, o sistema político após o Regicídio, implementaram,

 

4º - Foi nossa preocupação, destacar algumas secções das publicações analisadas, como por exemplo, os grandes escritores, cujos folhetins se inserem nas páginas dos jornais;

 

 

         No ponto 1 do programa da nossa alocução, afirmámos que as balizas cronológicas das publicações que iríamos abordar se situavam entre 1908 e 1912, no entanto, não podemos fazer tábua rasa de algumas anteriores, que, pela sua importância ideológica, são fundamentais para compreender o aparecimento de outras que iniciam a sua vigência dentro dos anos que pretendemos tratar, ou que, partidariamente, vão para além da matriz republicana, como os socialistas e os anarquistas.

         Deste modo, não podemos deixar de abordar ‘O Paço d’ Arcos’, jornal que, tem apenas um número único, mas com a significativa data de saída de 1 de Maio de 1898, e que se reivindica de comemorativo do dia 1º de Maio.

         Esta data que, actualmente, comemoramos em liberdade, devido à Revolução de 25 de Abril de 1974, foi desde 1820, um cavalo de batalha entre os trabalhadores e os patrões. Na verdade, o movimento para comemoração do dia da classe operária nasce neste ano em Inglaterra e 66 anos depois, em 1886, atinge o seu clímax em Chicago, nos Estados Unidos da América, onde os trabalhadores neste dia desse ano, reivindicam as 8 horas de trabalho.

         Esta ideia, em breve, se transmitiu ao proletariado europeu, chegando também a Portugal, onde, no final do século XIX, os trabalhadores lutam por melhores salários e condições de trabalho, ao mesmo tempo que se debatem com, uma maior industrialização e com uma crise de valores oriunda da monarquia constitucional e as dissensões dentro dos partidos políticos do rotativismo – o Histórico e o Regenerador.

         Este ideal progressista chegou também a Paço de Arcos, onde foi propagado pela ‘Associação Instrução e Recreio João de Deus’, que se arroga de editor e proprietário de ‘O Paço d’ Arcos’, embora, por motivos óbvios, não indique as identidades do Director e Redactor.

         Neste número único, onde se evidenciam artigos como ‘O Primeiro de Maio’, ‘Homenagem aos Mortos’, ‘Programas das manifestações locais’, ‘Em luta’, escreve-se no seu programa que,

 

“ (…) o operariado (…) seguindo o que lhe foi votado em 1889, no congresso internacional de Paris, reúne hoje para uniformemente reclamar o que de direito há muito lhe pertence, e eis porque o operariado de Paço d’ Arcos, (…) em favor dos seus direitos, não se queda silencioso para as grandes lutas da emancipação humana (…)”. (1)

        

Depois de informar que, em Lisboa, desde 1890, o proletariado neste dia 1º de Maio, tem lutado pela jornada diária de oito horas de trabalho, o jornal informa o que se passou na terra do Patrão Lopes:

 

         “Em Paço d’ Arcos, este ano também os trabalhadores acompanham na luta, demonstrando assim a solidariedade, filha, sem dúvida da propaganda…” (2)

 

         Fica assim demonstrada, a influência de uma publicação que, pugnando pelos direitos do operariado, terá em outras publicações que se reclamando de republicanas, procuram defender os trabalhadores das injustiças do patronato.

         Dentro da mesma perspectiva política, citaremos ainda o jornal ‘Echo’, fundado em 15 de Julho de 1899, cuja Redacção e Administração também se situavam em Paço de Arcos,

         Embora o seu programa se defina pela ausência de compromissos políticos, defende as ideias liberais dos homens de 1820, 1832 e 1842, sobrevaloriza a instrução, defende a liberdade religiosa, temas tão caros ao ideário republicano, e tem como colaboradores, entre outros, personalidades de cariz republicano e democrático como, Lino da Assunção (1844-1902), Gonçalves Crespo (1846-1883), Acácio de Paiva (1863-1944), Ana de Castro Osório (1872-1935, fundadora, entre outras instituições, da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas em 1909, tendo também participado na Lei da Imprensa juntamente com o ministro da Justiça Afonso Costa, após a instauração da República, membro da Maçonaria), e, Anselmo de Andrade (1842-1928).

         Continuando o rumo a que nos propusemos, entremos definitivamente nos jornais publicados entre as balizas de 1908 e 1912, e assim, abordemos uma sequência de jornais, oriundos de Algés, onde se nota aquela evidência que denunciámos no ponto 3 do nosso programa, que se refere à mudança contínua de funções administrativas dos personagens que faziam parte das diversas publicações.

         A sequência anunciada inicia-se com o jornal intitulado ‘A Praia’, fundado a 5 de Janeiro de 1908, que, no seu primeiro número, se autodefine como:

 

         “Simples e despretencioso (…) independente de qualquer cor política, desenvolverá, quanto possível, assuntos de sport, literatura, artes, história e todos os que se relacionem com a educação e desenvolvimento social e moral do povo.” (3)

 

         Embora respeitando esse programa, ‘A Praia´ apresenta duas características «sui generis», que a distinguem de outras publicações. Por um lado, sobrevaloriza a educação e a instrução, temas tão caros ao programa político republicano, por outro, politicamente exprime-se em defesa da causa republicana, tratando temas relativos à situação dos mais desfavorecidos.

         Relativamente à primeira, pode ler-se:

 

         “A par do analfabetismo, a falta de um ensino racional e humano é definir a decadência de um povo (…) Na instrução e educação reside o poder soberano que cria, fortifica e orienta, se à sua aplicação assiste um critério lógico e a liberdade intrínseca que pertence à ciência e à Razão (…)”. (4)

 

         A segunda pode inferir-se da seguinte ideia:

 

         “A iniciativa particular no ensino deve exercer a acção benéfica do retemperamento moral e intelectual, ministrando de mistura com os mais rudimentares ou superiores conhecimentos, a consciência de uma razão livre e apta para a percepção de todos os deveres e direitos cívicos e sociais. Mais do que formar letrados e sabidos lhe compete refundir e criar carácteres – cidadãos e homens livres…”. (5)

 

         De um ponto de vista ideológico, o jornal acompanha as duas grandes correntes filosóficas surgidas no início do século XX, isto é, o Positivismo e o Racionalismo, em que o primado da ciência e da razão se afirmam como pontos essenciais à vivência e à liberdade do Homem, decorrendo daqui a emancipação humana que se esperava ser aportada pela República.

         Para além das inúmeras e desapiedadas criticas à comissão administrativa do concelho de Oeiras pelas promessas que faz aos munícipes e que, antecipadamente, sabem que não podem cumprir, é curioso referir uma crítica feita ao Partido Socialista desta época, onde se afirma que este serve apenas para dividir as forças democráticas, pelo motivo de não ter uma política definida que possa ser considerada legitimamente de esquerda.

         A este propósito escreve-se nas páginas de ‘A Praia’:

 

         “Em todos os períodos normais da vida política desconhece-se que existe no país o partido socialista e isto, porque esse partido que unido poderia representar a força preponderante da nação, não passa nesses períodos, de uma pura ficção.” (6)

 

         O jornal ‘A Praia’ termina no nº 4, com data de 26 de Janeiro de 1908, sucedendo-lhe o seu congénere intitulado ‘Pátria Nova’.

         Relativamente ao ponto 3 do nosso trabalho, - aquele que tem como objectivo mostrar como os militantes republicanos mudavam os nomes das publicações e as funções administrativas que ocupavam na orgânica dos jornais, devido a motivações politicas e para legalmente, contornando a lei, fugirem à perseguição policial - comecemos por ver o que se passa com os seguintes intervenientes:

 

Victor Pompeu Rodrigues, aparece como ‘Proprietário’ do jornal ‘A Praia’; e, como ‘Secretário de redacção’ do jornal ‘Pátria Nova’.

 

Jayme de Sousa Sebrosa, surge como ‘Secretário de Redacção’ do jornal ‘A Praia’; aparece como ‘Director e proprietário’ no jornal ‘Pátria Nova’; aparece como ‘Colaborador’ do jornal ‘A Voz do Povo’, publicação que será fundada a 3 de Julho de 1910.

 

         No concernente ao ponto 4 do nosso trabalho, não existe em ‘A Praia’, qualquer folhetim literário de nenhum escritor consagrado, ou qualquer secção que mereça o nosso destaque.

         Analisemos de seguida, dentro das mesmas perspectivas, o jornal ‘Pátria Nova’, fundado a 9 de Fevereiro de 1908 e que, como afirmámos acima, é a continuação do semanário ‘A Praia’.

         No seu programa, o novo semanário reclama-se de órgão dos republicanos do concelho de Oeiras, como podemos constatar na seguinte passagem:

 

         “Morta ela [a ditadura de João Franco], morria A Praia; mas sobre as suas cinzas surgia o semanário Pátria Nova órgão dos republicanos do concelho de Oeiras.” (7)

 

         As diversas facções dos monárquicos, como progressistas, regeneradores e franquistas, e a sua política de interesses mesquinhos, são o alvo do ‘Pátria Nova’, quando o semanário escreve:

 

         “Divide-se o país, reparte-se talhada a talhada o imenso bolo que representa um fauteuil no mercado de S. Bento, retalha-se pedaço a pedaço esta bela terra da pátria e quem o divide, quem o retalha, quem o reparte? O rotativismo (…)”. (8)

 

         Porém, o jornal também não descura a política concelhia, tecendo duras críticas aos administradores concelhios em diversos sectores, de que se constitui paradigma, a questão das carnes na compra, venda ou abate dos animais, sendo o jornal atacado pela edilidade, ataque a que responde nos seguintes termos:

 

         “O motivo da querela é a debatida questão das carnes em que os munícipes de Oeiras, têm sido infamemente espoliados a favor de um monopólio, que como hidra de mil tentáculos, tem sujado mesmo por completo a algibeira do depauperado sangue do mísero habitante oeirense (…)”. (9)

 

         Ao semanário ‘Pátria Nova’ que terminou no nº 30, de 30 de Agosto de 1908, seguiu-se-lhe o também semanário ‘O Povo d’ Oeiras, fundado a 18 de Outubro de 1908.

        

Relativamente ao ponto 3 do nosso trabalho, e uma vez que já citámos os nomes de Victor Pompeu Rodrigues e Jaime de Sousa Sebrosa, fixemo-nos no de Cézar Frazão.

Cézar Frazão, surge como ‘Administrador’ do jornal ‘Pátria Nova’, entre os nºs. 21 e 30, e também como ‘Colaborador’ deste jornal; surge como ‘Director e proprietário’ entre os nºs 1 a 52 de ‘O Povo de Oeiras’, fazendo no nº seguinte esta declaração – “Em cumprimento da lei da imprensa actualmente em vigor, por acordo amigável entre signatários passa o semanário ‘O Povo d’ Oeiras’ a ser dirigido, como sua exclusiva propriedade, pelo segundo signatário, terminando no nº 52, a responsabilidade moral, política e judicial do primeiro [Cézar Frazão] e começando a mesma desde este número a cargo do segundo [Lourenço Correia Gomes]”. (10)  É significativo daquilo que desejamos provar, isto é, a tentativa de algumas personalidades jornalísticas desta época escaparem à repressão policial do regime, a passagem acima sublinhada por nós que passo a citar, “responsabilidade moral, política e judicial do primeiro”; aparece como ‘Administrador’ entre os nºs 1 a 14, e como ‘Redactor gerente’ dos nºs 15 a 42 do jornal ‘A Voz do Povo’. Aparece ainda um António Cézar Frazão, que é um expediente utilizado pelo mesmo personagem, para surgir como ‘Editor’ do nº 17 a 42 do jornal ‘A Voz do Povo’, já que o seu nome completo é António Cézar do Amaral Frazão. Este, nasceu em 1883, foi director de vários jornais, não só em Oeiras, mas também noutros locais, como em Santiago de Cacém, onde dirigiu ‘O Semeador’. Publicou também alguns livros de carácter jurídico e social como, O Problema da Assistência, O Problema da Miséria, Cartas para o Alentejo, Código Policial.

 

         Em relação ao ponto 4 do nosso trabalho, citemos dentro das ‘Principais secções’ do jornal, a rubrica ‘Publicações recebidas: Os grandes mestres’, constituída por artigos de literatura, de que o primeiro é significativamente o russo Máximo Gorki, o mestre do realismo socialista, traduzido por Ribeiro de Carvalho e Morais Rosa, numa época em que a liberdade de imprensa deixou de ser tão espartilhada; e também, a rubrica ‘Semana política’ que se reporta à actualidade nacional, em que no primeiro número se refere o Regicídio e a consequente subida ao trono de D. Manuel II.

 

         Entremos na abordagem do terceiro semanário ‘O Povo d’ Oeiras’, cuja conotação radica também no republicanismo do concelho de Oeiras, matriz corroborada pelo seu programa, nomeadamente, nos primeiro e quinto pontos que passamos a citar:

 

         “1º Como filiado no partido republicano defender como lhe cumpre a política a que pertence.

          5º Tratar da política, higiene e administrações concelhias, pondo em destaque a acção prejudicial do caciquismo local.” (11)

 

         O semanário ‘O Povo d ’Oeiras’ denunciando o estado de descalabro em que se encontra o país e atribuindo-o aos desmandos da monarquia constitucional, refere-se ao rei D. Manuel II como o “rebento da monarquia brigantina” e o “pimpolho”. Foram expressões de linguagem como esta e até um pouco mais contundentes que, despoletaram a apresentação de diversas queixas no Ministério Público contra o jornal.

         A nível concelhio, as críticas republicanas reportam-se às eleições camarárias de Novembro de 1908, onde apesar da larga votação obtida pelos republicanos, os monárquicos saíram vencedores, embora os primeiros os acusem de irregularidades eleitorais, como se pode constatar pela seguinte passagem:

 

         “Foi necessário para alcançar um voto, ir contra a lei, para vender água-pé? [a venda desta bebida era proibida] Vote e venda.

         Foi necessário perdoar uma multa, um relaxe, um roubo, por um voto? Tudo se fez, a tudo se baixou (…) Perdemos? Aí deixamos em todos os lugares do concelho a pequena semente que frutificará um dia…” (12)

 

         O semanário era também anti-jesuítico, criticando duramente o prior da freguesia de Oeiras, alcunhado de ‘padre Sopas’, por pôr os seus interesses à frente dos mais desfavorecidos. Porém, como toda a medalha tem o seu reverso, registe-se que, o jornal do 1º de Maio de 1910, insere um artigo apenas de seis linhas acerca da importância que esta data tem para a classe operária, ao contrário do semanário ‘O Progresso d’ Oeiras’, de tendência monárquica, fundado a 20 de Fevereiro de 1910, que dedica uma página completa a esta problemática.

 

         Relativamente às mudanças operadas ao nível dos lugares ocupados pelos membros de ‘O Povo de Oeiras’, salientamos o seguinte:

O nosso já sobejamente conhecido Cézar Frazão, foi Director e proprietário do jornal, desde o seu início até ao nº 52 inclusive;

Lourenço Correia Gomes, surge como ‘Director e proprietário’ do jornal ‘O Povo d’ Oeiras’ entre os nºs 53 a 90; mais tarde, aparecerá como ‘Director’ e ‘Proprietário’ entre os nºs. 1 a 19 de ‘A Voz do Povo’, jornal que sucederá a ‘O Povo d’ Oeiras’ nesta autêntica saga de que vimos relatando os principais episódios.

 

         Quanto ao ponto 4 dos objectivos que traçámos no início do nosso trabalho, salientamos que, dos nºs. 77 ao 81 podemos encontrar uma série de artigos dedicados às comemorações do primeiro centenário do nascimento de Alexandre Herculano, onde o grande escritor é referido como um democrata defensor dos mais desfavorecidos. Curioso é o facto de, neste ano de 2010, se comemorar o segundo centenário do nascimento do autor do introdutor do romance histórico em Portugal, com a sua obra, ‘O Monge de Cister’.

 

         Como dissemos acima, ‘O Povo d’ Oeiras’ deu origem ao semanário ‘A Voz do Povo’, fundado a 3 de Julho de 1910, de que nos ocuparemos a seguir.

         Ao contrário dos semanários analisados até este momento, ‘A Voz do Povo’ caracteriza-se por mudar de ideologia três vezes e, também, por abarcar diversos municípios. Assim, do número inicial ao 14º, intitula-se “Republicano, defensor dos interesses dos concelhos de Cascais, Sintra e Oeiras”; do 15º ao 17º parece aumentar o seu grau de republicanismo ao afirmar-se, “Republicano radical”, continuando a afirmar-se defensor dos mesmos concelhos; do 20º ao 22º, anuncia de novo a alteração da sua matriz republicana, afirmando-se agora “Republicano socialista” e, defendendo os interesses dos mesmos concelhos; finalmente, do 23º ao 42º, embora se continue a proclamar republicano socialista, aumenta o seu raio de acção, tornando-se defensor dos interesses do concelho de Loures, para além dos anteriormente citados.

         No programa do jornal podemos ler expressões que, por um lado, ainda não tinham surgido nos seus antecessores, por outro, mostram como a Monarquia estava por um fio e a República se aproximava a passos largos e decisivos. Não esqueçamos que faltavam quatro meses e dois dias para a instauração da República pois o jornal inicia a sua publicação no dia 3 de Julho de 1910 e o golpe de mudança de sistema, se observa a 5 de Outubro do mesmo ano.

         Deste modo, podemos ler no número inicial de ‘A Voz do Povo’, expressões como as seguintes:

 

         “Como político seguirá a orientação republicana do seu antecessor de verdadeira intransigência com a monarquia e seus adeptos.

         Estará sempre ao lado dos oprimidos contra os opressores. Defenderá o trabalhador do capitalista, quando este abuse da sua força e do seu dinheiro. Seguirá uma orientação verdadeiramente social e humana.

         Defenderá e propugnará pelo livre pensamento, usando da máxima tolerância para com todas as crenças e todas as religiões, desde que os seus adeptos sejam tolerantes nos seus actos e nas suas acções.” (13)

 

         O nº 15 de ‘A Voz do Povo’ saiu a 17 de Outubro de 1910, com atraso, que, como explica o jornal, se ficou a dever à participação massiva dos seus trabalhadores na grande jornada do 5 de Outubro de 1910, Será também a partir deste número que, o semanário se intitulará republicano socialista, ao mesmo tempo que toma como um dos seus grandes objectivos, a luta contra a intromissão da igreja católica nos assuntos civis e a sua vida parasitária. Assim, escreve:

 

“Prevenimos os padres que tanto defendiam a Companhia de Jesus, que se lhes está a secar a teta. (…) Se quiserem comer hão-de trabalhar. Assim é que é. O estado não pode sustentar parasitas.” (14)

 

A tenaz luta contra a igreja constata-se ainda no número de 1911 que alude à separação entre esta instituição e o Estado:

 

“A lei da separação é o golpe final para a separação da consciência humana.” (15)

 

         Outros temas defendidos neste semanário são, ao nível nacional, a aprovação da lei do divórcio, a exaltação da lei da liberdade de imprensa, e ao nível regional, a crítica ao jogo no casino do Dafundo apesar de proibido, o abate de animais e, o estado de degradação e a falta de escolas.

 

         Relativamente ao ponto 3 do nosso trabalho, saliente-se que, são também significativas em ‘A Voz do Povo’ as constantes alterações administrativas das personagens e dos lugares que ocupam na hierarquia do jornal, como podemos constatar a seguir:

Além dos já citados, Lourenço Correia Gomes que surge neste jornal como, ‘Director’, ‘Proprietário’ entre os nºs. 1 a 19, e, ‘Administrador’ do nº 33 ao nº 42; e, César Frazão que aparece como ‘Administrador’ do nº 1 a 14, ‘Redactor gerente’ do nº 15 a 42, e, ‘Editor’ do nº 17 a 42, com o nome próprio António a anteceder o seu nome; surgem ainda:

Victor P. da Cunha Rego, que aparece como ‘Administrador’ entre os nºs. 20 a 24 e ‘Secretário de redacção’ entre os nºs. 25 a 42 do jornal ‘A Voz do Povo’; e,

Tolentino de Sousa Ganho, aparece como ‘Administrador’ entre os nºs 25 a 32 e ‘Secretário de redacção’ (sem o nome intermédio, Sousa) entre os nºs 20 a 24 do jornal ‘A Voz do Povo’.

 

         Em relação ao ponto 4, que, tornamos a lembrar, faz o levantamento de algumas secções dos jornais bem como a intervenção dos grandes escritores, destaca-se o seguinte:

         A ‘Secção literária’ também chamada ‘Soneto’, assinada por J.L. e Nicolino Tolentau , apresenta poesia e prosa de, entre outros, Bocage, Garrett, Antero de Quental, Júlio Dinis, Tomás Ribeiro e Sousa Viterbo. É ainda de salientar que, a partir do nº 22, aparece uma secção intitulada ‘Jornal das crianças’ – e relembremos que a Instrução é um dos grandes temas da Iª República - assinada por T.S. que pensamos referir-se a Tolentino de Sousa Ganho, onde se inserem, entre outros, contos, passatempos, desenhos para colorir.

         Ao contrário dos semanários que antecederam ‘A Voz do Povo’, este, não teve qualquer continuador, sendo o último número encontrado, o quadragésimo segundo de 18 de Junho de 1911.

 

         Até aqui, os jornais analisados pertenciam a Algés, porém, no período histórico compreendido entre 1908 e 1912, temos ainda que referir dois, um do Dafundo, outro de Barcarena.

         Comecemos pelo primeiro, intitulado ‘Novos Horizontes’, fundado a 3 de Abril de 1909, também semanal, com a curiosidade de ter como público-alvo os trabalhadores do campo, o que evidencia a ruralidade do concelho de Oeiras.

         No seu ‘Programa’ pode ler-se:

 

         “No desejo de sermos úteis à humanidade que sofre, começamos hoje a publicar este pequeno jornal, especialmente dedicado aos trabalhadores do campo, e se é certo que poucos camponeses sabem ler, é dever de todos os que sabem, ler esta pequenina folha aos que por sua infelicidade não tiveram tempo nem posses para aprender pois que ela trata de coisas que interessam todos os que trabalham e vivem na miséria (…)”. (16)

 

         Como se constata a partir destas palavras, o jornal, para além de defender os trabalhadores rurais, era também, anticlerical, antimilitarista, defensor da liberdade da mulher e do direito ao divórcio.

O jornal politicamente segue o ideário anarquista, daí que, a maioria dos artigos sejam retirados do jornal anarquista ‘Terra Livre’, aliás, é curioso que existam inúmeras citações de autores como Proudhon, Lamennais e Fernando Lozano.

Assim, relativamente ao ponto 3, não existe a ‘dança’ de mudança de personalidades nos diversos lugares administrativos do jornal, como se verificou em todos os órgãos de informação analisados até ao momento.

No que se refere ao ponto 4, não existem nomes relativos a escritores conhecidos, para além dos citados acima como colaboradores. A terminar diga-se que, na secção ‘Contos para o Serão’, os trabalhadores eram estimulados a revoltarem-se contra todas as instituições.

         Para terminar, analisemos então, o jornal ‘O Povo d’ Oeiras’, fundado em Barcarena, a 4 de Agosto de 1912, com uma periodicidade quinzenal, conotando-se como Republicano democrático.

         Do seu programa destacamos:

 

         “Ninguém mais do que o povo de Oeiras foi um constante azorrague contra esses vingativos caciques monárquicos que no tempo da encantadora ominosa queriam ser os régulos do povo livre.

         (…) É de sentinela vigilante, pois, o nosso papel, contra aqueles que dentro do concelho d’ Oeiras, (…) queiram fazer recuar ou estacionar essa democracia de que ele deu provas nas suas gloriosas lutas passadas.” (17)        

 

         Este jornal que teve como director e editor Virgílio Pinhão assumiu-      -se como anti-clerical e divulgador da propaganda democrática, demarcando-se assim, das diversas facções em que o Partido Republicano se cindiu, nomeadamente, o Republicano Radical, daí que, considere o órgão desta facção, o já analisado ‘A Voz do Povo’ como:

 

         “ (…) um pasquim jesuítico com capa de republicano”. (18)                              

 

         Curiosa é a acusação que ‘O Povo d’ Oeiras’ faz ao director de ‘A Voz do Povo’ da época, Aníbal Lúcio de Azevedo, que era também mestre na Fábrica da Pólvora de Barcarena, proibindo os operários que estavam debaixo da sua alçada de ler o jornal cuja análise, neste momento, levamos a efeito, isto é, ‘O Povo d’ Oeiras’.

         Relativamente aos pontos 3 e 4 do nosso programa, nada de significativo há a referir, uma vez que, se por esta época a liberdade de expressão não provocava os expedientes a que os funcionários dos jornais analisados anteriormente tiveram que recorrer, para fugir às perseguições policiais, também não havia qualquer secção nem nenhum escritor que participasse neste semanário.

 

 

Assim, e não havendo qualquer outro jornal, cuja existência se situe, tanto nas balizas cronológicas marcadas, como nas actuais freguesias pertencentes ao concelho de Oeiras, terminamos, dizendo que, a imprensa teve um papel fundamental na divulgação do ideário republicano no município, antes de 5 de Outubro de 1910 e, na consolidação do mesmo, depois desta data, alertando e mobilizando os leitores para problemas fundamentais de carácter nacional e regional.

 

 

 

NOTAS:

(1) Jornal ‘O Paço d’ Arcos’, número único, 1 de Maio de 1898, 4 pp., p. 1.

(2) Idem, idem.

(3) Jornal ‘A Praia’, nº 1, de 5 de Janeiro de 1908, 4 pp., p. 1.

(4) Idem, nº 2, de 12 de Janeiro de 1908, 4 pp., p. 1.

(5) Id., id.

(6) Idem, nº 4, de 26 de Janeiro de 1908, 4 pp., p. 1.

(7) Jornal Pátria Nova, nº 1, de 9 de Fevereiro de 1908, 4 pp., p. 1.

(8) Idem, nº 7, de 22 de Março de 1908, 4 pp., p. 1.

(9) Id., nº 25, de 26 de Julho de 1908, 4 pp., p. 1.

(10) Jornal ‘O Povo d’ Oeiras’ nº 53, de 15 de Outubro de 1909, 4 a 6 pp., p. 1.

(11) Idem, nº 1, de 18 de Outubro de 1908, p. 1.

(12) Id., nº 4, de 8 de Novembro de 1908, p. 2.

(13) Jornal ‘A Voz do Povo’, nº 1, de 3 de Julho de 1910, 4 pp., p. 1.

(14) Idem, nº 15, de 17 de Outubro de 1910, p. 3.

(15) Id., nº 36, de 23 de Abril de 1911, p. 2.

(16) Jornal ‘Novos Horizontes’, nº 1, de 3 de Abril de 1909, pp. 1-2.

(17) Jornal ‘O Povo d’ Oeiras’, nº 1, de 4 de Agosto de 1912, p. 1.

(18) Idem, nº 3, de 1 de Setembro de 1912, p. 1.

 

(Comunicação apresentada no Auditório da Biblioteca Municipal de Oeiras, no dia 15 de Outubro de 2010, integrada no “IX Encontro de História Local do Concelho de Oeiras – República e Republicanos em Oeiras”)

publicado por cempalavras às 22:09
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Quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

SAMPAIO BRUNO, TEIXEIRA REGO E CAMILO CASTELO BRANCO POR AGOSTINHO DA SILVA

 

 

         Agostinho da Silva no seu livro Ir à Índia sem Abandonar Portugal, mais especificamente no capítulo intitulado ‘A Cidade do Porto’ (p. 29), tece interessantes considerações que têm como intervenientes Sampaio Bruno (1857-1915), Teixeira Rego (1880-1934) e Camilo Castelo Branco (1825-1890).

         Agostinho da Silva diz que Teixeira Rego foi o professor que mais seguiu e admirou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, cujas habilitações literárias eram a 3ª classe da Instrução Primária ou o 3º ano do liceu, pois isso, nunca ninguém o averiguou.

         Porém, as suas habilitações literárias oficiais nada tinham que ver com as privadas, uma vez que, desde menino, Teixeira Rego, ia muito cedo para a Biblioteca Municipal do Porto ler tudo o que apanhava à mão.

         Ainda de acordo com o testemunho de Agostinho da Silva, Sampaio Bruno, que era o director da Biblioteca Municipal, um dia, ao entrar nesta instituição, viu aquele menino a ler. Aproximou-se dele e ficou surpreendido com a matéria que ocupava a sua atenção. Porém, Agostinho da Silva não nos sabe informar, qual a matéria que Teixeira Rego indagava.

         A partir deste momento, Sampaio Bruno interessou-se a fundo com a educação daquela criança precocemente inteligente, e de tal modo o guiou que, quando fundaram no Porto, simultaneamente, a Faculdade de Letras e o Instituto Superior de Comércio, houve a dúvida de pôr Teixeira Rego, na primeira instituição a dar aulas de Gramática Comparativa das Línguas Românicas, ou na segunda, a ministrar Matemáticas Gerais.

         Agostinho da Silva confessa então, que, para sua sorte, Teixeira Rego foi colocado como professor de Gramática Comparativa das Línguas Românicas na Faculdade de Letras do Porto, facto que levou Agostinho da Silva a ser seu aluno e a conhecer o homem extraordinário que ele era.

         O autor de Ir à Índia sem Abandonar Portugal afirma que, no Porto que conheceu, haviam duas tradições. A referida até este momento, a que chama a de Sampaio Bruno, e uma outra que envolve o nome do homem de S. Miguel de Seide.

         Na verdade, Agostinho da Silva afirma ter conhecido lojistas estabelecidos “em frente à estação de S. Bento que ainda tinham uma raiva danada do Camilo, porque o Camilo dizia mal deles (…)”.

         Para além destas tradições do seu tempo, Agostinho da Silva refere ainda que havia o hábito de conversar em redor da estátua do rei D. Pedro IV (1798-1834), local que afirma ser “uma verdadeira universidade”, em que se encontrava gente muito interessante, não só portuguesa, mas também espanhola, porque o Porto ficava no caminho para Espinho, havendo muitos espanhóis, principalmente de Salamanca, que quando queriam ir à praia, lhes dava mais jeito deslocarem-se a Espinho do que à distante costa espanhola, como eram os casos de Unamuno (1864-1936) e Carracid.

publicado por cempalavras às 22:04
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