Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010

DIÁRIO

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

CARTA DO MEU MONTE

 

         O escritor francês Alphonse Daudet escreveu um livro que se chamava no original, Lettres de mon Moulin, o que na tradução portuguesa deu Cartas do meu Moinho, e que era uma visão do mundo dos homens a partir do refúgio do escritor.

         Sem me querer comparar com personagem tão célebre, apetece-me fazer uma página de Diário, a partir daqui do meu monte alentejano, de onde tento compreender o que se passa no país e no mundo, para além de falar das actividades que realizo quotidianamente.

         Vamos lá, então, à descrição do dia de hoje, 9 de Novembro de 2010.

Nunca me levanto antes das 10H. Foi o que fiz hoje, e depois do pequeno-      -almoço, carreguei o carro com oito sacas de azeitona apanhada em quinze dias e, fui ao lagar da Abela, entregá-las. Depois de pesadas, soube que a produção do ano era de 250 quilos, o que equivale a 25 litros de azeite, uma vez que a percentagem, este ano, dada pelo lagar ao produtor é de 10% - é a milenar história de, quem possui os meios de produção é que lucra.

         Quando regressei ao monte, andei novamente de joelhos no chão. Desta vez não foi para apanhar azeitona, mas para reunir muita pedra, em que o monte é profícuo. Se a pedra fosse ouro …

         Depois de almoço, agarrei na tesoura de podar e fui limpar uma oliveira que deu pouca azeitona, por os seus troncos terem crescido de mais. Cortei como me ensinaram os idosos aqui da aldeia, por cima e por dentro, sem danificar a folhagem da copa, pois é aí que nascem as azeitonas.

         De seguida, aspirei a terra e a folhagem que nos últimos dias se concentraram no fundo da piscina, uma vez que chegou a altura de a tapar. De acordo com os manuais, não é necessário ter a piscina a trabalhar durante o Inverno, basta que a temperatura ambiente baixe para 15ºC, como aconteceu hoje. Dá-se então um choque de cloro na água e, pode-se tapar a piscina. Foi o que fiz, poupando electricidade e pastilhas de cloro.

         Para fazer face ao PEC, plantei espinafres, no dia em que a dívida pública chegou aos 7%, e em que se fala, mais uma vez, da (re)entrada do FMI em Portugal. E ainda a pensar na minha economia, troquei o calorífero a gás pelo monte da lenha, onde fui encher baldes de sobro, oliveira e pinho.

         Terminei os trabalhos agrícolas, cortando os paus das ramas tiradas das oliveiras, porque, tal como a lenda da formiguinha, penso já em arranjar lenha para o Inverno de 2011. A lenha fica agora ao sol e à chuva até ao próximo Verão, quando será tapada, para depois entrar na lareira e combater o frio alentejano.

         São seis da tarde. Entretanto caiu a noite. Recolho-me no monte, frente ao quente da lareira. É a hora de ler, até às 20h. Neste momento, leio As Memórias Secretas da Rainha D. Amélia do meu amigo Miguel Real. Acabei ontem um livro com três peças de teatro, também da sua autoria e da sua mulher Filomena Oliveira, ambos meus colegas de curso.

         Depois das notícias televisivas, segue-se o serão da escrita que, se prolonga geralmente até à uma da manhã, momento em que me deito. Actualmente escrevo uma biografia de Agostinho da Silva, filósofo e homem, que tem uma personalidade fascinante.

         No final de mais um dia passado no seio da natureza, com tão grande diversidade de tarefas, a minha alegria e independência, não é compatível com os PEC’S e as charlatanices dos políticos corruptos que desgovernam o país.

 

publicado por cempalavras às 00:14
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Quarta-feira, 3 de Novembro de 2010

HISTÓRIA UNIVERSAL

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

ADOLFO EICHMANN

 

EICHMANN (Solingen, 19 de Março de 1906 – Ramia, 1 de Junho de 1962) Foi o grande responsável pelo extermínio de milhões de pessoas em campos de concentração, durante a 2ª Guerra Mundial, historicamente conhecido por «Solução final». Após a Guerra conseguiu fugir para a Argentina, em 1950, com um passaporte falso emitido pela Cruz Vermelha. Dez anos depois, foi raptado por um comando da Mossad que o trouxe para Israel, onde foi julgado e condenado à morte por enforcamento.

Após esta terrível apresentação, ouçamos o que diz dele, o filósofo italiano Cláudio Magris: “Era sincero quando em Jerusalém ficou horrorizado ao descobrir que o pai do capitão Less, o oficial israelita que o interrogara durante meses e para com o qual ele experimentara um profundo respeito, morrera em Aushwitz.. Horrorizado, porque a sua falta de imaginação o impedira de descobrir nas listas das suas vítimas rostos, feições, olhares, homens concretos. (Cláudio Magris, Danúbio, p. 40)

         Para nos admirarmos ainda mais com as contradições deste assassino, ouçamos o que diz o mesmo filósofo a seu respeito: “Em 1934, refugiou-se no convento de Windberg, durante uma semana, Adolf Eichmann, numa espécie de retiro espiritual. No álbum dos hóspedes, está ainda, escrito pelo seu punho, o agradecimento pela estada e pela hospitalidade recebida, a expressão de uma experiência intensa e de um comovido apego: “Treue um Treue”, fidelidade por fidelidade, escreve Eichmann no livro do convento a 7 de Maio de 1934. O tecnocrata do massacre gosta da meditação, do recolhimento interior, da paz dos bosques, talvez até da oração. (Idem, id., p. 104)

         O protocolo do interrogatório de Eichmann é um documento extremo de uma parcelarização da existência, da pessoa e do seu agir, que abole responsabilidade e criatividade. Eichmann não mata, trata da deportação e transporte dos que devem ser mortos; a responsabilidade parece não afectar ninguém – porque ninguém, nem mesmo no mais alto posto, passa do elo de uma cadeia de transmissão de ordens – ou afectar todos, incluindo por exemplo as organizações judaicas, que os nazis obrigam a colaborar na escolha dos judeus a deportar. Nestas escadas, o indivíduo sente-se um dos grandes números triturados pelo Espírito do Mundo que evidentemente dá mostras de desequilíbrio mental, um desses números de inscrição que a secção competente do Lager tatuava no braço dos detidos.

         Mas nestes degraus o indivíduo soube também tornar-se único e imprescindível. A mulher jovem que, à entrada da câmara de gás de Auschwitz, se volta para Hoss e lhe diz, desdenhosamente, que não quis fazer-se seleccionar para o trabalho, como lhe teria sido possível conseguir, para acompanhar as crianças que lhe haviam sido confiadas, e que depois avança tranquilamente com elas para a morte, é a prova da incrível resistência que o indivíduo pode opor àquilo que ameaça aniquilar a sua dignidade, o seu sentido. (Id., id., p. 133)

 

         Se gostou de saber estas “Inconfidências”, venha ouvir mais, acerca de outros personagens da Humanidade – escritores, filósofos, pintores, etc. – numa conversa que levo a efeito na Livraria/Galeria Verney, no centro de Oeiras, frente à Igreja Matriz, quinta-feira, dia 4 de Novembro, às 16 horas.

publicado por cempalavras às 23:05
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA

DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO

 

NOS 150 ANOS DA MORTE DE SCHOPENHAUER

 

Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, nasceu em Danzing, a 22 de Fevereiro de 1788, e faleceu em Frankfurt, a 21 de Setembro de 1860, fazem agora 150 anos.

 Em 1820, aos trinta e dois anos, recebeu o primeiro convite para assumir um cargo temporário e muito mal remunerado para dar aulas de Filosofia na Universidade de Berlim. De imediato, marcou a sua cadeira, intitulada A Essência do Mundo, para a mesma hora da cadeira dada por Hegel, chefe de departamento e o mais famoso filósofo da época. Assim, enquanto 200 alunos se acotovelavam para ouvir Hegel, apenas cinco ouviram Schopenhauer definir-se como um vingador que veio libertar a filosofia pós-kantiana dos paradoxos vazios e linguagem obscura e deturpada da filosofia contemporânea. Os seus alvos eram Hegel e Fichte. No semestre seguinte, não teve um único aluno, nunca mais dando aulas.

         Nos trinta anos que viveu em Frankfurt, até morrer em 1860, levou uma vida tão rígida como a de Kant, começando por escrever três horas, a que se seguia uma hora a tocar flauta. Mesmo a meio do Inverno, raro era o dia em que não nadava no frio rio Meno. Almoçava sempre no mesmo clube, o ‘English Hof’, de casaca e peitilho engomado branco, traje que era a alta moda da sua juventude, mas estava completamente ultrapassado em Frankfurt, em meados do século XIX. Pagava dois almoços para garantir que ninguém se sentava na mesma mesa. Tinha a mania de discutir assuntos impróprios e chocantes como, por exemplo, elogiar a nova descoberta científica que impedia que adquirisse uma infecção venérea bastando, após o coito, mergulhar o pénis numa solução de cloreto. Costumava levar para junto da mesa onde almoçava, o seu poodle Atman, que tratava por Sir, chamando-lhe Humano, quando o cão se portava mal.

         Num jantar, um jovem perguntou qualquer coisa ao filósofo, a que ele respondeu “Não sei”. Como o jovem comentou: “Pensei, que o senhor, um sábio, soubesse tudo”. O filósofo respondeu: “Não, o conhecimento é limitado, só a estupidez é ilimitada.

         Qualquer pergunta sobre mulheres ou casamento tinha sempre uma resposta azeda. Assim, uma vez teve de aguentar a companhia de uma mulher muito faladora, que lhe contou detalhes de como sofria com o casamento. Ouviu-a pacientemente e quando a mulher lhe perguntou se compreendia, respondeu:

“- Não, mas compreendo o seu marido.” Noutra conversa, perguntaram-lhe se pensava casar-se, tendo respondido: “Não, pois só me traria aborrecimentos, porque teria ciúmes por a minha mulher me trair, pois eu ia merecê-lo por me ter casado.

         Segundo ele, os médicos usam duas letras diferentes, uma quase ilegível, nas receitas, e outra, clara e bonita, nas contas.

         “Só como celibatário se pode assumir o risco de viver sem trabalho e com poucos rendimentos.”

         A sua maior raiva, era contra os dois filósofos consagrados do s.XIX, Fichte e Hegel. Num livro, vinte anos depois da morte de Hegel, refere-se a ele como sofista e “um banal, oco, asqueroso, repulsivo e ignorante charlatão, que cometeu a inigualável afronta de escrever um conjunto de disparates pegados, que foi aclamado pelos seus seguidores mercenários no exterior como sendo uma sabedoria eterna”.

         Procurou na filosofia hindu o refúgio para o sofrimento pessoal. Introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã.

         Escreveu ensaios pungentes e aforismos ácidos, sendo um dos poucos filósofos que Wittgenstein lia e admirava.

         Os temas principais do seu sistema são: volição, resignação e pessimismo; sendo o seu conceito, a vontade está acima do espaço e do tempo, mas seguir os seus ditames é o caminho mais rápido para a miséria. A sua obra principal é O Mundo como Vontade e Representação (1819), embora o seu livro mais conhecido seja Parerga e Palipomena (1851).

 

 

publicado por cempalavras às 23:01
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