DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO
VIVA A ‘BRIOSA’
A ‘Briosa’ é o nome pelo qual é conhecida a equipa de futebol da Associação Académica de Coimbra. Se soubessem quantas vezes esta equipa maravilhosa me safou, a mim e aos meus colegas de turma do 5º ano (o actual 9º) de apresentar os trabalhos de casa de Matemática, à segunda-feira…
Eu explico. Por alturas de 1965/66, tive um professor de Matemática, que fez com que, eu e todos os meus colegas, gostássemos dessa disciplina. Como? De uma maneira muito simples. Relacionando-se connosco, como se fosse um irmão mais velho, ou mesmo um pai, falando dos mesmos assuntos que nós, abrindo de par em par o livro da sua vida e, contando-nos episódios da sua vasta experiência.
O professor formara-se em Coimbra, vivera toda aquela vida sã das Repúblicas e tinha uma adoração, justificada, pela equipa da Académica. Digo justificada, porque naquele ano, a ‘Briosa’, tinha uma equipa fabulosa que, todos os domingos, dava aos 5 e aos 6 às outras equipas do Campeonato da 1ª Divisão ( a Bwinliga actual), ganhando mesmo aos três grandes. Até o Benfica de Eusébio, campeão de Portugal anos seguidos, apanhava grandes sustos no velho estádio do Calhabé.
Nos tempos actuais, pode parecer incrível a quem segue o futebol português, como posso afirmar isto de uma equipa que, todos os anos, luta para não descer de divisão. Porém, a verdade é que, em meados dos anos 60, a Briosa tinha uma equipa que, jogando no sistema 4.2.4., possuía dois ‘pontas de lança’ goleadores, um, o célebre Artur Jorge que, jogou e treinou o Benfica, e levou o Porto a campeão da Europa, o outro, Ernesto, que veio para o Sporting. Os extremos eram os célebres irmãos Campos, o Mário e o Victor que, actualmente são conceituados médicos na Lusa Atenas e, só não jogavam na Selecção Nacional por, nos mesmos lugares, jogarem os benfiquistas bicampeões da Europa, José Augusto e Simões.
Vivíamos o tempo cinzento da ditadura salazarista, com a televisão a preto e branco, de canal único, controlado pelo Poder, a dar ao domingo, depois de uma hora massacrante de fados, resumos de dois minutos, dos jogos mais importantes da jornada. Claro que, pelo que escrevi atrás, os jogos em que participava a ‘Briosa’ eram filmados, para mostrar os fabulosos golos que, aquela equipa maravilhosa, marcava todos os domingos. (Não posso precisar, mas creio que, desta equipa faziam ainda parte o Toni e o Rui Rodrigues que, depois se transferiram para o Benfica).
À segunda-feira de manhã, quando entrávamos na aula de Matemática, com os famigerados trabalhos de casa por fazer, havia sempre um de nós que, perguntava ao professor quando ele entrava na sala: «Sr. Dr., ontem viu o resumo do jogo da Académica?».
Não era preciso dizer mais nada, pois o mestre, com a sua pedagogia positiva, iria dar uma aula em que falaria da Vida, da Existência, vasto e profundo tema em que, também, se inseria a Matemática, mas onde estavam implícitas vertentes como o Desporto (as jogadas, os golos, os actuais e os antigos jogadores da Académica desde 1939, ano em que a ‘Briosa’ ganhou a primeira Taça de Portugal, tudo era comentado ao pormenor), a sã camaradagem das Repúblicas (as partidas que os estudantes faziam a colegas, professores, e a ‘civis’), a Literatura (foi ele que me deu a conhecer o In Illo Tempore de Trindade Coelho, com os seus episódios hilariantes, em especial, os do ‘Saraiva das Forças’, livro que, para mim, funcionou como uma iniciação àquilo que se aprende de bom no universo académico e universitário).
Por tudo isto, fiquei a gostar da Académica, único clube que, durante a crise de 69, tinha a coragem de jogar com um fumo de luto, mostrando o descontentamento do povo português relativamente à política de opressão e de terror, que se viviam naqueles tempos.