Encantatória
Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.
Custa é saber
como se emenda morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria.
1983.
Natureza morta com Bernardo Soares
Esta mesa de mármore
mó absorvente onde
as folhas espadanam,
põe-me na rota dessoutro
bojo calipígio onde o Poeta
ele-mesmo copiava a escrita.
Vagueia a paisagem, irradiando-me;
embaciado sol me localiza,
sou eu, é minha a mesa,
meu o sossego e mói.
Sobre o ringue sem patinadores,
cisterna seca à minha frente,
poluídas tílias em flor.
Ousarei invocar outro terreiro,
o sol-a-sol do só, a poluída vida,
os duplicados que o Poeta fez?
Plagiadas arcadas:
e o meu olhar margina
as águas, pródigas águas
que redemoinham após a seca.
Silves, 1983.